Por Ariel Bogochvol
Um Ensaio de Psicanálise Aplicada
Introdução
Apresentarei o caso S.T., discutido na Reunião Clínica do IPQ-HC e que suscitou, em todos participantes, diversas questões.
Esclareço que o caso não foi apresentado no âmbito de uma Apresentação de Paciente psicanalítica, mas em uma reunião clínica comum de um serviço de psiquiatria.
Estas reuniões reúnem os diversos membros da equipe da enfermaria em torno da discussão de um caso clínico. De forma mais ampla, reúne em torno do caso clínico, os vários discursos vigentes na psiquiatria.
A reunião clínica é um espaço de cruzamento interdisciplinar e interdiscursivo e realiza, em ato, a estrutura de mosaico que é a psiquiatria.
Gravitam, em torno do fenômeno psicopatológico, diversas disciplinas, discursos díspares e, muitas vezes, contraditórios entre si: semiologia, neurofisiologia, psicologia, neurologia, filosofia, neuropsicologia, psicanálise, neuroanatomia, sociologia…
A psicanálise é, no caso, um-entre-outros discursos; aplica-se ao campo psiquiátrico junto com outros discursos e compõe, com eles, este imenso mosaico, esta rede emaranhada, este quebra-cabeças que é a psiquiatria.
A reunião clínica é um espaço privilegiado de aplicação da psicanálise; sua aplicação pode se dar na entrevista, na discussão do caso, na construção do caso, na direção do tratamento, na antecipação do prognóstico, i.é, em todos os pontos de interesse clínico.
Se interrogássemos – velha/nova pergunta metafísica – qual o lugar da psicanálise (ou de um psicanalista) em uma enfermaria de psiquiatria poderíamos responder, de uma maneira um tanto circular, que ela (ele) se aplica a todos os pontos de interesse clínico.
A reunião clínica, fora do standard, do enquadre, do setting ou da demanda de análise é, assim mesmo, um momento privilegiado de aplicação da psicanálise e de articulação da psicanálise às outras disciplinas que se aplicam ao campo clínico.
O que apresento, a seguir, é um ensaio clínico baseado na anamnese feita pelas médicas-residentes que acompanharam/acompanham o paciente em sua internação e no ambulatório e na entrevista clínica.
É uma construção que não se sustenta em uma Clínica sob Transferência (CST) que é a clínica analítica sensu strictu, mas no relato do paciente e no relato sobre o paciente.
É evidentemente um ensaio arriscado, sem pontos de apoios sólidos, construídos na base de uma situação clínica fora da transferência, clínica pura do discurso. Arrisca-se, neste caso, a tomar como realidade clínica àquilo que é, apenas, nossa construção ou nosso delírio.
Temos, no entanto, vários exemplos na literatura psicanalítica de ensaios clínicos sustentados apenas no discurso do “paciente” ou no discurso sobre o “paciente”. Exemplos célebres são: o caso Schreber de Freud, baseado nas Memórias de um Doente dos Nervos, o caso Lol e o caso Joyce de Lacan, baseados, respectivamente, no livro o Deslumbramento de Lol. V. Stein de M. Duras e na obra literária de James Joyce.
Temos, pelo menos, bons antecedentes.
Antecedentes S.T., 69 anos, solteiro, aposentado, procurou o IPQ em um estado depressivo grave dizendo que desde há quatro meses, mais intensamente, sentia tristeza, desânimo, um estado penoso de dor, perda de prazer e escutava vozes que o xingavam de bicha, o que o levava a pensar, com insistência, na idéia de se suicidar.
Foi internado na enfermaria do IPQ, sua 4ª internação no mesmo serviço.
Apresentava-se com alguns adornos femininos, colar, anéis, unhas pintadas. Dizia que sempre se sentira, desde criança, uma mulher. Gostava de se vestir de menina, brincar de boneca e de brincadeiras femininas.
Estudou em um colégio de freiras até o segundo ano do primeiro grau, sendo expulso por não conseguir ficar na classe dos meninos. Permaneceu em casa, afastado do convívio social, junto com seus pais que tinham enorme vergonha do seu comportamento.
Aos 11 anos teria assistido uma relação sexual extraconjugal da mãe. Diz ter visto sua mãe gritando com expressão de angústia ao ser torturada pelo pênis do amante. Diz ter sentido raiva do próprio pênis e desejo de amputá-lo não o fazendo por fraqueza.
Passava o dia costurando sapatos de couro para a mãe revender ou vagando pelas ruas roubando, algumas vezes, calcinhas e procurando absorventes usados. Evitava o contato social e era evitado ou discriminado pelo meio em que, raramente, tentava se inserir.
Travestia-se em casa. Tinha poucas chances, em virtude da oposição dos pais, de sair travestido às ruas. Andava com roupas de baixo femininas e com alguns adornos. Nunca chegou a se travestir profissionalmente.
Duas experiências de trabalho, em trabalhos que não exigiam qualificação, fracassadas.
Afirma nunca ter tido atração sexual, seja por homens, seja por mulheres, relações sexuais ou mesmo ereção.
Procurou atendimento médico, há alguns anos, para tratar “apenas” da disfunção erétil mas, abandonou tratamento.
Define-se como pessoa passiva que nunca tomou decisões em sua vida.
Mãe faleceu quando ele tinha 62 anos. Teve, na ocasião, um episódio depressivo grave. Durante três anos e meio visitou o cemitério diariamente e lustrava o túmulo da mãe. Dormia em gaveta ao lado de seu túmulo.
Seu irmão mais velho, com quem tinha relações problemáticas, suicidou-se dois anos após a morte da mãe.
Início das internações no IPQ aos 64 anos, com episódios depressivos.
A Entrevista Aceita a entrevista. Cabisbaixo, evita o contato visual. Agradece repetidamente a atenção que lhe é dada e diz não merecer tamanha consideração por ser um ser imprestável. Envergonha-se de si, por ser passivo, por não ter conquistado nada, não ter nada, não ser nada.
Fala pausadamente, com alguma dificuldade, sem adotar uma atitude “feminina”. Define-se como uma mulher no corpo de um homem. Pretende realizar a cirurgia de mudança de sexo.
Deseja ser uma mulher por completo e, por isso, deseja retirar seu pênis e ter uma vagina. Não quer ter uma vagina para realizar uma vida sexual. Quer a retirada do pênis e a vagina para poder ter a sensação de ser uma mulher completa mesmo que fora de toda relação sexual.
A mulher é, para ele, uma entidade perfeita, angelical, pura, repleta de bons sentimentos, responsável pelo amor e pela criação dos bebês. ”Para mim ser mulher, ser uma fêmea é lindo. Bonito. Belo. Encantador. Importante. Imperdível. Eu adoro, eu tenho adoração”.
Seu pênis lhe desperta total aversão, não suporta vê-lo ou tocá-lo. Não suporta, também, ver a nudez masculina ou ser visto em sua própria nudez.
Ao exame psíquico, apresenta-se orientado, atento, sem evidenciar distúrbios de memória. Pensamento lentificado. Idéias de culpa referente à morte da mãe e idéias de menos-valia, sem evidenciar ideação delirante. Idéias de morte, suicídio. Desejo de transformação corporal. Alucinações auditivas: xingam-no de bicha, riem dele, ouve choro de crianças. Alucinações visuais em que vê sua mãe como uma santa. Humor polarizado para a depressão. Negativismo ativo. Lentificação psicomotora.
Sínteses Temos descritos alguns antecedentes, a entrevista, o exame psíquico atual.
Como sintetizá-los? Um Sr. de 69 anos em um estado depressivo grave com sintomas psicóticos, recorrente, transexual de longa data, com uma história de desadaptação social pervasiva, sem laço profissional, intelectual, amoroso, demandando cirurgia de modificação sexual.
Como diagnosticá-lo do ponto de vista da psiquiatria? E da psicanálise?
Psiquiatricamente: Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave com sintomas psicóticos (F 33.3) e Transexualismo (F 64.0).
Psicanaliticamente: é um paciente que, antes de todo e qualquer diagnóstico, nos coloca, de imediato, diante das vicissitudes da sexuação. É um homem que afirma ser, intimamente, mulher ou que afirma desejar, ardentemente, sê-lo. É um caso que desmente a afirmação freudiana “o destino é a anatomia”.
O que se coloca, de imediato, é a questão da identidade sexual e a problemática da identificação sexual. Contra as evidências de seu corpo, ele afirma ser uma mulher. O sintoma transexual transparece de imediato, explicitamente, na fala e adorno do sujeito.
Em psicanálise a presença de um dado sintoma não fornece, em si, indicação da estrutura clínica i.é nenhum sintoma assinala uma estrutura em si.
A indecisão quanto ao próprio sexo, o sentimento de ser mulher no corpo de um homem, por ex., pode assumir um sentido muito diferente conforme o contexto. Formação imaginária pode ser derivada de posições estruturais diversas. A demanda de mudar de sexo, igualmente um sintoma, pode emanar de uma hipocondria, de uma histeria, de uma perversão, de uma psicose.
Como entender o transexualismo de ST? Como contextualizá-lo? Em qual estrutura se inscreve?
Sexuação É um ponto clássico da psicanálise que a questão da sexuação passa pelos modos de resolução da problemática edípica e da problemática da castração.
Não cabe retomar agora toda esta teoria; tomemo-la como retomada; partamos daí: se há irresolução da posição sexual é porque ocorreu um “acidente” na travessia e resolução destes complexos.
Por alguma razão, o sujeito não pôde ocupar a posição homem ou mulher, não pôde situar-se diante do falo, quer como aquele que por possuí-lo está ameaçado de perdê-lo, quer como aquela que não o tendo, poderá sê-lo, semblante do falo.
S.T ocupa uma posição sui generis. Ele não tem dúvidas sobre seu sexo. Não pára de afirmá-lo: ele sabe o que é e sabe o que quer. É uma mulher a procura de uma vagina.
Na verdade, ele é homem-mulher e não–é-homem – nem mulher. Diante da alternativa homem/mulher, ST responde pela condensação ou por uma dupla negação (nem-nem). Homem-mulher que deve operar a distinção cirurgicamente e nem-homem-nem mulher porque está fora, à priori, do circuito sexual. ST é trans-sexo ou extra-sexo.
Não parece ter tido acesso à significação fálica. Toma o significante-falo como órgão e não como significante. Sua problemática gira em torno do ter ou não ter o órgão-pênis em seu registro corpóreo e não simbolizado. O pênis, fora da referência erógena é apenas um pedaço de carne coisificado e morto. Não há introdução do falo como significante, como significante do desejo.
Ser homem ou mulher depende, para ele, inteiramente do aparato corpóreo da sexualidade: Homem=pênis Mulher=não pênis=vagina.Depende também das vestimentas que, mais do que cobrir sua nudez cobrem seu ser, sustentando ou dando-lhe uma forma.
Esta “boa forma” conferida pela vestimenta feminina não parece, no entanto, destinada a suscitar o desejo do Outro, mas a afirmar um ponto íntimo e decisivo de sua existência.
Difere do travesti que “brinca” com o feminino exaltando-o para suscitar o desejo e a surpresa do Outro. S.T. veste-se para si mesmo.
Há, aí, uma confusão de três ordens distintas: o simbólico=real=imaginário. A questão simbólica da diferença sexual será respondida ou por uma via real, que passa pela castração do pênis, ou por uma via imaginária, através de suas vestes. A palavra =a coisa = imagem.
É como se não tivesse se instituído, para ST, a clivagem ou distinção SRI ou eles não estivessem bem articulados.
A Forclusão
Se não há acesso à significação fálica é porque ocorreu, segundo o esquema lacaniano apresentado em Uma Questão Preliminar, um fracasso da operação da metáfora paterna. É ela que possibilitaria o acesso à significação fálica segundo a fórmula:
Recordemos que a contribuição lacaniana à teoria freudiana do complexo de Édipo consiste em demonstrar que ele pode ser abordado a partir da teoria do significante. O que se realiza através do complexo de Édipo é concebível como uma operação significante que consiste na substituição de um significante por outro, ou seja, em uma metáfora. A operação metafórica engendra um novo sentido que os significantes em jogo originalmente não comportavam.
O complexo de Édipo representa uma metáfora particular em que o significante do nome do pai vem substituir o desejo da mãe produzindo, como efeito de sentido, a significação fálica.
Poderíamos afirmar, apenas pelos dados relatados, um fracasso desta operação metafórica em ST? Encontramos, nos dados, vários indícios que apontam para a forclusão do Nome do Pai.
Além da questão da (não) significação do falo, exposta com grande esplendor por ele mesmo, temos uma referência negativa, que ganha seu valor exatamente em função de sua negatividade. Não há, em seu discurso, praticamente, referência ao pai. Nem à sua existência/inexistência, nem à sua importância/desimportância, nem ao seu lugar. Diz apenas, quando perguntado, que ele era muito severo, ausente e que brigava muito com a mãe.
O pai simplesmente não é referido espontaneamente, não parece ser referência para o sujeito. Não há nem evocação do nome do pai (concretamente), nem de seu corpo, de sua presença, de sua história. Não há registro, ele não comparece em seu discurso.
Não podemos igualar, simplesmente, a falta de menção ao pai com a forclusão do nome do pai. Mas é um dado relevante esta ausência de citação.
Para além desta referência concreta, podemos perceber, também, que não há registro da incidência do NP no desejo da mãe que permanece, para o sujeito absolutamente opaco. O que quer esta mulher que o esconde do mundo e que o faz fazer sapatos para ela vender? O que quer esta santa mulher que goza torturada por seu amante, em sua rememoração da cena primária?
ST mantêm-se atado à mãe. Não há separação, corte, significação. Sem a significação (fálica), o sujeito é empurrado a ocupar o lugar de objeto do desejo insignificado da mãe, situação que se verifica em seu discurso e sua conduta.
Quando a mãe era viva, ST costurava-lhe sapatos de couro; quando morta limpava diariamente seu túmulo e deitava-se ao seu lado. Realizava duplamente o incesto, “fundido-se” ao corpo vivo e ao corpo morto da mãe.
Parceria simbiótica, como descrevem os tratados sobre o transexualismo e que representa, de um ponto de vista lacaniano, a não simbolização do NP, a não substituição do desejo da mãe pelo nome do pai. Dito de outro modo: em função da forclusão do nome do pai, não tendo acesso à significação fálica, o sujeito tem de ocupar uma posição de objeto/dejeto do desejo insignificado da mãe.
Fracasso da operação metafórica, não simbolização do nome do pai, não significação fálica, posição de objeto da mãe, estamos, inteiramente, no terreno da psicose lacaniana.
O transexualismo de ST inscreveu-se, durante largo período, no seio de uma estrutura psicótica, não desencadeada até a idade aproximada de 64 anos. A psicose, com seus signos clínicos, só eclodirá posteriormente, a partir da morte da mãe.
Como ST se manteve estável, sem o desencadeamento da psicose, por tanto tempo?
Suplências A hipótese que podemos levantar, a partir da 2ª clínica de Lacan (mas também a partir da 1ª) é que o sintoma transexual corresponde à tentativa de aliviar a carência do NP, ou seja, de colocar um limite, um basta, um ponto de parada na significação. Funcionaria como suplência do NP.
ST visa encarnar A Mulher, não uma, mas Toda, inteiramente mulher, completamente mulher, mais mulher que todas, mulher com M maiúsculo. Seu ideal é A Mulher, aquela que Lacan diz não existir. ST faz existir A Mulher que não existe. Mais ainda, ele sabe (diferente das outras) o que é a Mulher e o que Ela quer. Não há dúvidas a respeito. É um ponto de certeza.
Esta Mulher-Toda encarna, nas fórmulas da sexuação de Lacan, não a posição mulher, não toda, mas a posição equivalente ao do Pai Primitivo, aquele que escapa à castração. A Mulher Toda escapa à castração, nada lhe falta. Pode funcionar como um dos Nomes do Pai. Ser A Mulher seria um equivalente do NP, uma modalidade de amarração que se dá fora da metáfora paterna e da função fálica, próxima (ou idêntica) da metáfora delirante.
A posição transexual de ST suporia, portanto, dois momentos difíceis de distinguir:
a. Posição objeto/feminina induzida pela carência do NP;
b. Feminilidade como limite, como suplência a função paterna, sob a forma da Mulher Impossível, extrasexo, como defesa contra o real.
Ser uma mulher, o sintoma transexual parece ser, então, em ST, simultaneamente, um índice à mínima da FNP e um ponto de estabilização.
Em uma perspectiva topológica poder-se-ia dizer: na falta do entrelaçamento pelo NP, RSI seriam livres se não estivessem ligados por um quarto elemento, que consiste na identificação do sujeito à Mulher. Ser a mulher teria, em ST, a mesma função estrutural que Ser a Mulher de Deus. em Schreber?
Não parece já que este Ser a mulher, diferente do caso de Schreber onde o transexualismo aparece em uma psicose desencadeada, evita, por longo tempo, o desencadeamento da psicose.
O desencadeamento A morte da mãe parece ter sido o desencadeante de seus episódios psicóticos. Até aquele momento, bem ou mal, o sujeito conseguira se segurar. Porque a psicose não se desencadeou anteriormente, já que todas as condições para sua ocorrência já estavam dadas? Porque se desencadeou neste momento?
A morte da mãe (e o suicídio do irmão) parece(m) ter funcionado como o elemento terceiro que rompeu a homeostase do par mãe-filho. A morte fez apelo ao NP, a uma simbolização. Se há FNP, “o que aparece no Outro é um buraco que, por carência do efeito metafórico, provocará um buraco correspondente no lugar da significação fálica e iniciará a cascata de remanejamento do significante, de onde procede ao desastre crescente do imaginário”.
O apelo ao NP, no contexto da morte da mãe, encontrou, por efeito da forclusão, um buraco. Não houve como responder, no plano simbólico, a este evento. No lugar da simbolização de uma falta ou da subjetivação do significante da falta ou do trabalho de luto, ST encontra literalmente o buraco deixado pela morte de sua mãe. Tenta se alojar neste buraco dormindo ao lado do túmulo da mãe, mas isto não basta.
Começa a apresentar episódios, que na terminologia freudiana, poderiam ser chamados de melancólicos: “depressão profundamente dolorosa em que há uma suspensão do interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar, a inibição de toda atividade e a diminuição do sentimento de auto-estima, manifestadas em auto-acusações e auto-injúrias podendo chegar à espera delirante de punição”.
Diferente do trabalho de luto, que deverá consumar e simbolizar a ausência do objeto, na vertente da lógica melancólica a sombra do objeto recai sobre o Eu e assistimos simultaneamente à morte do objeto e a morte do eu.
Incapaz de simbolizar a perda do objeto torna-se este objeto um dejeto imprestável, morrendo ou desejando morrer junto com ele. Acusa-se ou é acusado por isto: “imprestável”. Ao mesmo tempo, as vozes que o injuriam sinalizam sua não resolução sexual: “bicha”. É a voz superegóica ouvida como procedente do real.
O retorno no real daquilo que não foi simbolizado transparece nos fenômenos alucinatórios e nos fenômenos do humor petrificado da tristeza vital. Não chega a se constituir propriamente o delírio, apenas esboços da idéia delirante de culpa e de indignidade. Estas idéias buscam restituir o Outro em sua função de punição e o colocam na posição de castigado pelo Outro.
O objeto a, não extraído, não funciona mais como causa do desejo, mas como (a)bjeto. Busca extraí-lo pela castração cirúrgica. Simultaneamente, a cadeia significante não se desloca, não se metonimiza, há uma lentificação. Tudo pára nesta hemorragia libidinal.
Conclusões e Perguntas
S.T. permaneceu internado por aproximadamente três meses, recebendo alta melhorado após administração de Imipramina e Olanzapina, sem evidenciar sinais da melancolia que o acometeu. Sem melancolia e transexual. Três meses após foi reinternado, no IPQ, com os mesmos sintomas.
De um ponto de vista psicanalítico podemos afirmar, pela 1ª clínica, que ST estruturou-se psicoticamente e pela 2ª que “usou” o sintoma transexual como suplência, como um dos nomes do pai, como um nó que permitiu amarrar de uma maneira precária os registros. A incidência da morte desestabilizou a montagem desencadeando os episódios melancólicos.
Se estivesse em uma análise, qual seria a direção do tratamento? Qual seria a posição do analista em relação, por ex, à sua demanda cirúrgica?
Ariel Bogochvol