Triebregung – O que será? 12/09/2012

Por Elza Macedo

“O que será que me dá Que me bole por dentro, será que me dá Que brota à flor da pele, será que me dá (Chico)”.

Segundo ‘Nota do editor’, tanto do alemão Alexander Mitscherlich, como do inglês James Strachey, nota que antecede o texto de Freud (1915), ‘Os instintos e suas vicissitudes’, triebregung é um dos termos mais comuns de Freud. Em português, Jayme Salomão traduz, pela Imago Editora, triebregung por impulso instintual. É bastante usado por Freud, também no plural: triebregungen. Encontra-se, também, unbewusten triebregung, impulso instintual inconsciente.

Em ‘Atos obsessivos e práticas religiosas’ (Freud, 1907b), os mesmos editores colocam em nota de rodapé que essa parece ser a primeira vez que Freud utilizou o termo Triebregung em uma publicação (p. 127). Antes ele usa outros termos, como por exemplo, em ‘A sexualidade na etiologia das neuroses (1898, p. 308) Freud se refere a libidinösen Impulse, traduzido em português como impulsos libidinais, os quais recebem reforço das experiências sexuais infantis.

Na Conferência XXIX “Revisão da teoria dos sonhos’ (1932), o texto em alemão traz: ungesättigten verdrängten Triebregungen (p.459), o que dá em português: impulsos instintuais reprimidos insatisfeitos (vol. 22, p. 28). “O sonho … permite que um impulso instintual reprimido (verdrängten Triebregung) obtenha a satisfação que nessas circunstâncias é possível na forma da realização alucinada de um desejo.” (p.31) À p. 462 temos unbewuBten Triebregung e em português, impulso instintual inconsciente. “E não é demais insistir, mais uma vez, no contraste existente, dentro dos próprios pensamentos oníricos, entre o impulso instintual inconsciente e os resíduos diurnos. Enquanto estes mostram toda a multiplicidade de nossos atos mentais, aquele, que se torna propriamente a força motriz da formação do sonho, encontra sua saída invariavelmente na realização de um desejo.” (p. 34)

No Seminário 6, aula 3, de 26 de novembro de 1958 (transcrição, p. 9), Lacan se refere ao texto ‘O inconsciente’, em que Freud (1915), traz a questão de se apenas idéias podem ser conscientes e inconscientes ou também os impulsos instintuais, Triebregungen? Diz que só pode ser reprimido o que ele chama Vorstellungsrepräsentanz, representante na representação do movimento pulsional chamado Triebregung. É uma unidade da moção pulsional, uma unidade objetiva e não é nem consciente e nem inconsciente. É um fragmento isolado da realidade que tem sua própria incidência de ação. Só podemos nos referir a um impulso instintual cuja representação ideacional é inconsciente. A repressão pode conseguir inibir um impulso instintual, impedindo-o de se transformar numa manifestação de afeto. Quando o afeto procede diretamente do inconsciente, o afeto sempre tem a natureza de angústia, pela qual são trocados todos os afetos ‘reprimidos’. O impulso instintual, Triebregung, tem que esperar até encontrar uma idéia substitutiva no sistema consciente.

No Seminário 8, aula 27, de 21 de junho de 1961, p. 373, Lacan diz: “O que constitui o Triebregung em função no desejo, tem sua sede no resto, ao qual corresponde na imagem essa miragem pela qual ela é justamente identificada com a parte que lhe falta, e cuja presença invisível dá ao que se chama de beleza o seu brilho.” … “Aqui está o ponto central em torno do qual ocorre aquilo que temos para pensar sobre a função do pequeno a. No Seminário 10 Lacan retoma esta questão entre as páginas 50 a 53. “Todo o investimento libidinal não passa pela imagem especular. Há um resto.” Miller, no Seminário de 16 de junho de 2004, esmiúça o Triebregung. Forbes, no Módulo 2 do Projeto Análise, trabalhando esta questão diz que o Triebregung é uma força positiva e ativa, diferentemente do émoi, força negativa e passiva. Para Forbes, o Triebregung se refere ao fato da pessoa não saber o que fazer com seu tesão; que na clínica analítica o problema é suportar a qualidade. Suportar defeitos é questão do psiquiatra. O psicanalista trata do sucesso, muitas vezes insuportável para quem o tem. O êxito ocorre quando a falta vem a faltar. Se Freud buscava a verdade, Lacan buscava a diferença.

São Paulo, 14 de dezembro de 2004