Vanessa Scofield
No Curso da TerraDois, durante o primeiro bimestre de 2022, Jorge Forbes conduz uma leitura guiada e atualizada da série de textos de Freud “Contribuições para a psicologia da vida amorosa”. A cada encontro, um participante documenta, em formato livre, o que foi discutido em aula.
Nessa carta fictícia, Vanessa Scofield resume o encontro de 19/04, quando o texto trabalhado foi “O Tabu da Virgindade”.
São Paulo, 18 de abril, 2022
Minha querida,
Espero que esta carta lhe encontre bem.
Dentre as muitas cartas de amor que já lhe escrevi creio que esta chamará sua atenção por duas razões. Primeiro, pelas muitas linhas e, segundo, por eu escolher palavras por vezes brutas e pouco laboriosas. Mas não me envergonho, foi você que me ensinou a ter olhos que enxergam beleza e ouvidos que ouvem poesia onde para muitos não há.
Sigo em Terradois. Melhor dizendo, estou em Terradois. Estranho. Queria mesmo lhe dizer é que “sou Terradois”. Mas a minha cautela mineira não me permite e me aconselha “comer pelas beiradas”. Eu rio sozinha. Essa frase é tão pertinente ao que vou lhe escrever.
Continuo esperando a chegada das terças-feiras com entusiasmo. Os encontros de Terradois são inexplicáveis, avassaladores, me fazem perder o rumo e o prumo. E hoje não foi diferente. Terminamos de ler o texto O Tabu da virgindade, terceiro da série intitulada Contribuições para a psicologia da vida amorosa. A leitura foi na voz e interpretação do Dr. Jorge Forbes. Isso mesmo! Senti-me em um teatro, onde a cada avanço do autor, ele, de maneira surpreendente e, como nos orientou no início desse ano, fez brilhantemente o trabalho de ”refraseamento” de Freud, sempre acompanhado por Lacan e por sua clínica. Bravíssimo!
Bem sei que esse trabalho de Freud, assim como todos os outros, não é novidade para você. Mas para melhor situá-la, começamos nossa leitura pela frase: “As moças afirmam abertamente que, para elas, seu amor perde o valor quando outros ficam sabendo sobre ele. Ocasionalmente esse motivo pode tornar-se sobrepujante e impedir absolutamente o desenvolvimento da capacidade de amar no casamento.”
De posse do amor que sinto, confio essa carta apenas a você e a mais ninguém. Aproveite! Já no princípio, Dr. Jorge Forbes nos alertou que pouco ou quase nada se encontra na internet sobre esse texto. Você terá que acreditar no que escrevo ou devanear junto a mim.
Aprendi, melhor dizendo, relembrei que os amores clandestinos, ilícitos, ilegítimos e secretos são os melhores. O amor lícito que tenha paciência, mas ele é um chato! Escrevo isso sem pudor, pois tenho para mim que o nosso amor está no hall dos amores secretos. Dessa forma, o ato de legitimar o amor o torna desinteressante ou quase impossível. A liberdade sentida por nós mulheres nesses relacionamentos amorosos proibidos é o que faz deles tão excitantes. Não sei o porquê, mas me lembrei da Silene. Uma vez ela me contou que as melhores transas com o marido aconteceram quando eles decidiram se separar. Na cabeça dela, estava transando com um cara casado! No caso, casado com ela! Mais tarde, ela me confidenciou arrependida que eles decidiram reatar a relação e o sexo voltou a ser aquela chatice de antes. Mas você sabe que Freud não se satisfaz com essa história de liberdade que o amor proibido nos faz sentir, e segue indicando que há algo mais importante e profundo. Assim ele chega ao desenvolvimento da nossa libido e sua acomodação. Ouvir que as nossas fantasias sexuais infantis se fixam principalmente no pai ou num irmão de forma secundária, pode até doer em certos ouvidos, mas não nos nossos. E ele segue dizendo que os maridos são então os acessórios, secundários, os que vêm depois e sem direitos ao que temos para dar, portando nunca irão nos satisfazer. Está ai a explicação para a frigidez de certas mulheres. Espero que você não esteja esperando que eu coloque panos quentes ou que tente tapar o sol com a peneira. Como posso ponderar se estou implicada nisso até o pescoço?! Do nada, vem a música Amor e Sexo, da Rita Lee na minha cabeça, enquanto Dorô lembra a Marilyn Monroe cantando My heart belongs to daddy. Prefiro a Marilyn sussurrando Happy Birthday Mr. President. Impagável!
A forma de escrever, de Freud, me faz lembrar uma frase de Fernanda Young, “ …as grades atrapalham seus passos acelerados, impedem que eles cortem caminho por entre flores.” Já confidenciei a você sobre meu desejo de saber escrever histórias. Dr. Forbes sabe e Freud também. De Lacan não posso dizer o mesmo. Digo isso, por que Dr. Freud também fez seu trabalho de “refraseamento”, conectando o homem primitivo, ao sujeito do início do século XX e ao Tabu da Virgindade. Ele nos leva para os cerimoniais de defloração dos primitivos, conta sobre os poetas e suas obras, descreve os sonhos de suas pacientes e faz isso caminhando por entre as flores. Você sabe que muitos não conseguem fazer isso, e falam como papagaios de pirata sobre o complexo de Édipo, o complexo da castração, a inveja do pênis, o falo, bebê/pênis, o protesto masculino, o petit a… Falam em Francês para dar um ar acadêmico e solene. Para mim, eles não passam de papagaios de pirata franceses! Pensando bem, eles devem ter é legitimado o amor por você e aí deu nisso. Um papel passado qualquer deve estar guardado no fundo de uma gaveta qualquer. Ela está exagerando, você deve estar pensando. Mas essa releitura e o refraseamento são urgentes. No fundo, essa minha exaltação pode ser pelo medo de te perder para o passado. Aqui me lembro da obra de Dalí, Mulher com gavetas.
Dr. Forbes segue sua jornada! Ele disse que odeia essa palavra, jornada. E eu odeio a palavra empoderamento. Ambas são ridículas!
Sua leitura continua de maneira surpreendente e é interrompida para que ele nos conte um dos seus casos clínicos: três irmãs recebem do pai, como herança, uma quantidade expressiva de terras próximas à capital paulista. Uma dessas irmãs, que é casada, e tem uma situação financeira privilegiada, compra as terras das duas outras irmãs. O negócio é feito dentro da maior lisura. O valor acordado estava dentro do valor de mercado. Tudo perfeitamente legal. Passados alguns meses uma empreendedora, que expandia seus negócios no local onde essas terras estavam localizadas, ofereceu pelas mesmas terras um valor 5 vezes mais alto que aquele pago pelo marido às irmãs. O marido então traz para análise a questão: Vender ou não vender as terras? Se ele decidir pela venda, a família da esposa poderia pensar que um golpe foi dado. Decidindo por não vender, ele abriria mão de um montante expressivo em dinheiro. O marido decide então pela venda das terras. Ah coitado! Dr. Jorge Forbes (fico imaginando a cena) diz: Você tem certeza? Sua mulher vai te matar por isso! O marido, ingênuo que supostamente não leu o Tabu da virgindade, replica: Claro que não! De onde o senhor tirou isso? Estou aumentando em muito o nosso patrimônio. Pois bem, passada uma semana da venda a esposa pede o divórcio do marido. Papagaio nenhum consegue fazer isso! Posso ver você concordando com a beleza que existe nisso tudo! Uma clínica em 2022 corroborando de maneira cristalina com um texto maravilhoso escrito há mais de 100 anos.
Você se lembra daquela jornalista esportiva que logo após ter um bebê se separou do marido e assumiu uma relação homo afetiva? Não ria, sabe que ainda não clinico. Mas saiba que Terradois é justamente essa vida. Ela está no bate-papo com o taxista, com o porteiro, com o CEO, em mim.
Não vou fazer com você o que Freud fez comigo. Acredita que ele terminou o texto sem mais nem menos, com um corte brusco, inesperado e sem desfecho? Totalmente contrário ao seu estilo. Fico me perguntando se ele se deu por vencido ao ver que caminhava ao encontro do gozo feminino. Será?
De quem segue te amando,