Por Alain Mouzat
À margem da literatura oficial, sempre houve, na França, uma literatura devassa. Ela não deixa no entanto de ser a expressão de sua época: espaço da expressão popular galhofeira nos fabliaux medievais, ou consciente do seu poder subversivo, como os escritos libertinos do século XVIII – essa literatura explora temas narrativos relativamente constantes. Assim as Jóias indiscretas(1) de Denis Diderot (1748) retoma o argumento do fabliau medieval “O cavaleiro que fazia as bocetas falarem”(2) : um homem recebe o dom – no caso por intermédio de um anel mágico – que lhe permite ouvir em voz alta as revelações indiscretas da “ boca de baixo” – as “jóias” – à revelia de suas donas.
Através do artifício romanesco, Diderot vai tratar, num distanciamento irônico, muitos dos temas sérios que agitam o debate intelectual de seu tempo. Entre outros temas abordados, um que nos interessa diretamente, tratado no capítulo 18 do livro, é a invenção de uma solução ao desencontro amoroso, à desarmonia da relação entre homem e mulher: tema particularmente sensível para psicanalistas lacanianos que sabem que a condição humana é exatamente marcada pela não existência da relação sexual.
Dois colegas, Teresa Genesini e Jaci Palma leram as Jóias indiscretas e tecem seus comentários particularmente a respeito dessa “solução” que assombra todas as utopias(3) …
Resumo comentado de Les Bijoux Indiscrets
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(1) Jóias Indiscretas, Denis Diderot, Editora Global, Rio de Janeiro, 1986, Trad. E. Brandão.
(2) “O cavaleiro que fazia as bocetas falarem” in O Livro dos Amores, Henri Gougaud, Martins Fontes 2001, trad. Márcia Aguiar
(3) Ver o tratamento dado à sexualidade na República de Platão, na Cidade do Sol de Campanella, na Utopia de More, ou ainda no Novo Mundo Amoroso de Fourier, entre outras.