Yes, we dare 26/06/2013

Por Claudia Riolfi

Nos dias de hoje, quem não está disposto a correr riscos não consegue manter seus filhos longe das coisas que não combinam com a família

Malia, 14 anos, e Sasha, 11, filhas do atual presidente dos Estados Unidos, ousaram dizer o indizível. Afirmaram querer adornar seus corpos, que circulam na formalidade da Casa Branca, com tatuagens. Posso até imaginar o constrangimento de Obama coçando a cabeça. Imagino, também, a dúvida de Michele, um tempo quieta, cismando: o que eu deveria ter feito, na educação dessas meninas, para que não ocorresse a elas ter uma ideia dessas? Quem de nós, tendo filhos, já não passou por situação parecida? Como responder quando nossos pimpolhos pedem para fazer o que outras crianças e adolescentes da mesma faixa etária fazem, mas, na nossa família, não cabe de jeito nenhum?

Don´t you dare! (Nem ouse!), o casal presidencial poderia ter dito, apelando para sua autoridade e insinuando, com essa frase, que haverá algum tipo de retaliação caso o filho insista em sua intenção inicial. Nesse caso, instala-se uma queda de braços, uma imposição a partir de uma lei do mais forte que não permite generalização consequente.

Uma variação dessa fórmula é a pergunta How dare you? (Como ousas?). Fazer essa questão coloca em cena uma assimetria entre as posições de quem pergunta e a pessoa a quem a questão é dirigida. Só pode fazer essa pergunta quem se coloca em posição superior da pessoa com quem fala. Se quem escuta isso não recua, a peixeira foi puxada. A temperatura vai subir.

Pai e presidente da nação, Obama bem que poderia – legitimamente – ter se colocado tanto de um modo como de outro. Malia e Sasha bem que poderiam ter ouvido How dare you? e Don´t you dare! quando disseram ao seu pai que queriam fazer tatuagens. Só que essa cena nunca ocorreu. Ao responder para suas filhas, Obama foi praticamente lacaniano.

Em entrevista para o programa Today, da rede NBC, em abril último, ele contou, referindo-se a ele e à esposa: “O que dissemos às meninas é: se alguma vez decidirem fazer uma tatuagem, mamãe e eu faremos exatamente o mesmo e no mesmo lugar”. E, ainda por cima, prometeu ir ao YouTube e mostrar a tatuagem familiar. Em sua avaliação, pretensamente aderindo ao comportamento das filhas, ele estava agindo de modo a dissuadi-las a pensar que fazer tatuagens é uma boa forma de se rebelar quando se é a filha do presidente.

Foi outra a inflexão do verbo utilizada pelo casal presidencial: Yes, we´d dare! (Sim, nós ousaríamos). Ao utilizá-la, Obama e Michele se arriscam. Já pensou se as meninas gostam da brincadeira e resolvem que a realização de tatuagens quadrigêmeas seria meiga? Malia e Sasha desistem na medida em que acreditam na ousadia dos pais. Eles seriam, de fato, capazes de fazer isso. Que mico!, devem ter pensado. Partilhar o erotismo com papai e mamãe? Isso seria um pouco demais.

Muito boa a saída de Obama. Ela pode se prestar como paradigma para todas as situações nas quais se quer tentar evitar algo que não é ilegal nem imoral. Em última instância, hoje, não tem nada de mais fazer tatuagens. O problema é que não combina com aquela família. E aquela família se autoriza a ser diferente das demais. Escolhe seu modo de vida. Um bom lema para eles? Yes, we dare.

 

Claudia Riolfi é psicanalista e cursou pós-doutorado em Linguística na Université Paris 8 Vincennes-Saint-Denis. Professora na Faculdade de Educação na Universidade de São Paulo. Diretora Geral do IPLA