Por Rodnei Corsini
Marilyn Monroe, a Mulher que não existe, nos faz pensar que o que vida tem de imperfeito e irregular não a torna menos sedutora
Marilyn Monroe faria 87 anos no primeiro dia do mês de junho. Permanece em nosso imaginário como a personificação da Mulher (com maiúscula), sem falhas nem imperfeições, e que, como nos lembra Jacques Lacan, não existe. A construção da imagem de Marilyn como um dos grandes ícones do século XX se apoiou em sua sensualidade e no desejo que provocava. Ao mesmo tempo, também evocou vulnerabilidade e insegurança – estas, reforçadas pela história de uma infância vivida em orfanatos, da instabilidade diante da explosão do sucesso e da morte precoce por uma possível overdose de remédios.
Foi por conta das notícias da data de seu aniversário que localizei uma galeria virtual de retratos de Marilyn feitos à beira de uma piscina, durante a gravação do filme não finalizado Something’s Got to Give. Era maio de 1962, três meses antes de sua morte. Muitas dessas fotos, clicadas pelo fotógrafo e amigo Lawrence Schiller, ficaram inéditas ao público até poucos anos atrás. Vendo e revendo as imagens da atriz saindo da piscina fico com a sensação de que, desde os tempos em que a mitologia criou as Sereias, é sempre da água que emerge a mais trágica e violenta das volúpias.
Foi na imagem de uma mulher na água, inclusive, que eu tive o conhecimento de que a sexualidade infantil existe. Em 1990, aos meus cinco anos de idade, a TV Manchete exibia a novela Pantanal perto do horário em que ia dormir – por hábito ou empurrado pelos pais. Ainda dava tempo de ver a abertura. Nela, uma onça que andava pela mata se transformava em uma mulher que mergulhava lindamente em um rio: essa é minha primeira memória erótica de que tenho consciência. A modelo da abertura era interpretada pela atriz Nani Venâncio. Tomo a imagem de seu nado no rio como um mergulho de iniciação nos meus desejos. A cada vez que via a abertura de Pantanal, sem entender direito ainda esse tipo de atração e muito antes de ouvir falar de Sigmund Freud, eu ia pra cama cheio de sonhos. Quanto vi as fotos de Marilyn saindo da piscina, os ecos desses sonhos encontraram expressão nas imagens da atriz americana.
Para nós, o culto à figura de Marilyn não cessou após sua morte: constantemente lembrada e celebrada, ela foi a grande homenageada no Festival de Cannes do último ano. Na realidade do mito, residem vários elementos de uma existência irregular e repleta de dificuldades. Era uma atriz dedicada e ciente de sua carreira, que se tornou descontente com a personagem ingênua que, muitas vezes, foi escalada para interpretar. Mudou-se de Hollywood e abriu sua própria produtora de cinema, que conseguiu manter por pouco tempo. Marilyn nos faz pensar na escolha por viver sem moldes nem balizas, de forma contrária à expectativa de reprodução de um modelo idealizado. Uma vida, portanto, com imperfeições que nos pedem a todo momento a criação de outros caminhos. É uma escolha que nos sujeita a falhas e, inclusive por isso, muito sedutora e desejável.
Rodnei Corsini é jornalista freelancer em São Paulo, graduando em Ciências Sociais e analisando da Clínica do Real