Entrevista com François Ansermet, por Alejandra Varela
AV – Será que o apagamento simbólico das pessoas implicadas nas reproduções humanas assistidas, e da noção de maternidade no caso das mulheres que emprestam seus úteros para a gestação, não acaba reforçando, com esse segredo, o surgimento de fantasmas e de questões de identidade mais conflituosos que a possibilidade de saber?
FA – Pode haver, hoje, uma multiplicação das pessoas envolvidas na concepção de uma criança. Uma reprodução assistida pode ser homóloga, realizada entre o casal, utilizando os gametas do pai e da mãe para uma fecundação in vitro ou uma injeção intracitoplasmática de espermatozoide. Nas R.A. heterólogas, o doador de esperma, a doadora de óvulos e eventualmente ainda, em caso de gestação para outro (GPA), a mulher que empresta seu útero podem se somar aos pais de intenção – que às vezes não participam nem da fecundação nem da gestação ; na foto de nascimento, em volta da criança, haverá então até cinco pessoas.
Quando há doação de gametas, qual o lugar do doador, da doadora? Duas questões devem ser aqui distinguidas. A criança sabe ou não que sua concepção passou por uma técnica que implicou a doação de gametas – espermatozoide, óvulo ou os dois? O acesso aos doadores é possível? É este o caso nos países que introduziram a suspensão do anonimato dos doadores.
A manutenção de um segredo quanto à procriação assistida que implicou uma doação, o que não pôde ser dito a esse respeito, introduz ou reforça às vezes um distúrbio por parte do pai/da mãe estéril, que pode se sentir incomodado, não verdadeiramente autorizado aos seus próprios olhos face à criança para ocupar o seu lugar, o que a criança pode sentir mesmo sem saber. Podemos nos perguntar, sobre todos os segredos, se aquilo que não sabemos não é, paradoxalmente, mais determinante do que aquilo que sabemos. Como se houvesse um impacto de um saber que não se sabe. Desse modo, o apagamento do doador o tornaria paradoxalmente mais presente. O segredo tem efetivamente um impacto, à revelia de todos.
Contudo, o risco nesse caso é de reduzir muito exclusivamente a origem à proveniência dos gametas. Existe a tendência de se falar do doador de esperma como do pai biológico. O pai não poderia ser reduzido ao espermatozoide. Aliás, nada há de mais anônimo que um espermatozoide. Fala-se menos de mãe biológica para a doadora de óvulo, sobretudo quando a criança é gestada pela mãe de intenção. No caso de GPA, a mulher que gestou é às vezes qualificada de mãe portadora. A mãe teria se tornado, hoje, múltipla?
Retornar à questão da origem mostra até que ponto ela permanece, para todos, um enigma. A origem leva, primeiramente, a um real não subjetivável: por que eu sou eu e não outra pessoa? Por que nasci agora e não em outro tempo? Por que aqui e não em outro lugar? Todas essas questões permanecem sem resposta e mostram o arbitrário da origem.
O desejo dos pais não poderia ser passado em segundo plano, em prol unicamente dos parâmetros biológicos. A suspensão do anonimato dos doadores ou doadoras nem por isso desvenda o mistério da origem. A transmissão mobiliza dimensões que se situam muito além do biológico. Cabe a cada um encontrar suas próprias respostas face ao enigma irredutível de sua origem – são as suas respostas que se trata de favorecer.
Vivemos em uma época em que a transparência tornou-se uma exigência. Essa opacidade sobre os dados biológicos é insuportável para alguns, não porque eles gostariam realmente de saber, mas pela ideia de que uma instância exterior possua dados que os envolvem sem que eles próprios tenha acesso a eles. A contradição entre transparência e anonimato lhes parece injustificável.
Além disso, na época da medicina preditiva, ter acesso a seus dados genéticos pode se revelar muito importante. Se um doador anônimo apresentar, ulteriormente, um distúrbio, como comunicar o fato à sua progenitura? Na realidade, na era do sequenciamento genético, tornou-se possível encontrar o seu doador através dos bancos de dados acessíveis.
Em um futuro mais ou menos próximo, tudo isso poderá ser substituído pela possibilidade de gerar gametas a partir de células tronco da pele, ou mesmo pela possibilidade de criar gametas sintéticos, o que deslocará a questão da doação para dimensões totalmente diferentes? Mesmo se ainda não chegamos lá, muitos artigos precursores fazem pensar que tais vias nas técnicas da R.A. poderiam surgir e remanejar a questão da genealogia e da filiação a partir de uma procriação verdadeiramente artificial.
A.V. – Essas tecnologias, que ultrapassam os limites biológicos, não colocam ainda mais em primeiro plano a biologia como sustentáculo de uma identidade? Assim, em muitas crianças sequestradas durante a ditadura (tema central na Argentina) e que foram, depois, restabelecidas em sua identidade, aparece certa continuidade com os pais biológicos que, contudo, eles quase não conheceram e cuja existência às vezes ignoravam, tendo sido educados, em muitos casos, pelos assassinos dos pais, segundo parâmetros culturais e sociais muito diferentes. Isso me leva sempre a pensar que o biológico, nessas experiências, aparece com muita força.
F.A. – Para crianças sequestradas a seus pais biológicos por seus assassinos, a biologia permitiu restabelecer a realidade de sua genealogia. Você tem razão de indicar, nesse tipo de caso, a força política do biológico.
No seu livro sobre o trajeto das crianças desaparecidas durante a ditadura que eu tive a ocasião de prefaciar, Vania Widmer[1] relata que o movimento das Avós da Praça de Maio entrou em contato com o departamento de genética médica do Beth Israel Medical Center de Nova York para estabelecer, já em 1987, uma prova do laço de “avoidade” através de análises do ADN. O Estado argentino foi autorizado pela lei 23511 a criar o Banco nacional de dados genéticos, em que está registrado o mapa genético dos avôs, a fim de esclarecer a justiça levada a decidir se uma criança pertence ou não a certa família biológica. Foi assim que muitas dessas crianças foram efetivamente encontradas pela associação das Avós da Praça de Maio. Desde então, eles não são mais classificados como “desaparecidos”, mas como “restituídos”. A biologia desempenhou efetivamente aqui um papel fundamental para permitir-lhes escapar à falsificação violenta de sua origem.
Isso é, evidentemente, completamente diferente da doação de esperma ou de óvulo no âmbito do desejo dos pais de intenção, em que a criança provém de um desejo e não de um assassinato político. O contexto e o uso do biológico diferem e aproximar essas duas situações me aparece um equívoco.
A questão de saber como crianças “desaparecidas” podem “advir”, apesar do insuportável nos esclarece. Também para elas, o desejo é central; ele se exprime através do amor daqueles que os esperavam há tanto tempo, pela força exercida para encontra-los, por uma busca de verdade, de justiça, etc. E sobre essa base, uma origem pode ser reconstruída.
Esses casos extremos e horripilantes nos ensinam: a origem está também no que está por vir, e não apenas no que está atrás. Ela sempre pode ser refeita, reinventada.
A.V. – O fantasma que anima a criatividade das tecnologias médicas acaba se tornando um dado do real. Mas, enquanto resolvem um problema de infertilidade, essas biotecnologias não param de engendrar novos fantasmas. A ciência estaria então do lado do real ou do simbólico?
F. A. – O mundo nascido das tecnologias está mudando mais rápido que a nossa capacidade de acompanhá-lo. Trata-se de encontrar maneiras de pensá-lo. Nossos parâmetros simbólicos se deslocam. Os avanços das biotecnologias trazem, em sua esteira, questões novas, inéditas, particularmente delicadas, que tocam em dimensões irrepresentáveis nas quais o pensamento esbarra. Poder-se-ia designá-los como escolho, escolho lógico, como diz Lacan[2], ou seja, que resultam dos próprios limites do logos. Esses escolhos lógicos desembocam na angústia e abrem para “pontos pânico”[3], como ele diz também.
Daí a criação de comitês de ética aos quais são formuladas, na urgência, questões sem resposta, e que se tornam assim câmaras de eco da angústia. Tornam-se em todo caso observatórios da perplexidade contemporânea face aos avanços tecnológicos, com o risco de serem eles próprios levados pelas mesmas vertigens que aqueles que os interrogam, vertigens que atraem e ao mesmo tempo repulsam.
Opõem-se assim em seu interior tecno-profetas que prometem um mundo melhor e tecno-catastrofistas estupefatos com essas mudanças. Quanto mais as questões não resolvidas se multiplicam, mais as opiniões divergem e se sobrepõem ao debate, sem reduzir o pânico que delas resultam. Passa-se assim de um ponto pânico a outro, de uma opinião a outra, de uma querela a outra, misturando discurso ético e cenários imaginários. Um verdadeiro impasse do pensamento, um círculo vicioso. Daí a importância de explicitar esses pontos de escolho, de torná-los inteligíveis, para tentar ultrapassar o debate de opiniões enredado em crenças que exaltam o futuro ou se apegam ao passado. Isso implica seguir sem a priori as soluções inventadas e as tentativas feitas por aqueles que avançam rumo a esse mundo fabricado pelas tecnologias.
A.V. – Quando a ciência é percebida em termos de ficção ou de fantasma mais do que de realidade, parece que ela procura sempre ir para além dos limites. Ora, certos limites oferecem uma maior resistência, porque estão ligados a concepções profundamente enraizadas do ponto de vista social e cultural. Por exemplo, aceita-se que o pai seja incerto, mas não a mãe incerta. Consequentemente, há mais abertura jurídica para a doação de esperma que para a doação de óvulo. Algo da mesma ordem acontece para a aceitação da mãe gestante: trata-se aqui de um cenário que leva a uma realidade percebida como extremamente perigosa e que toca de certa maneira no limite de um não-limite?
F.A. – Sua pergunta implica desenvolver certos pontos de escolho induzidos pelas biotecnologias. Já nas procriações homólogas, realizadas num casal, surgem surpresas. A injeção intracitoplasmática de espermatozoide (ICSI) é às vezes vivida como uma inseminação artificial por doador. Recebi um pai que havia fantasmado toda uma história sobre a bióloga encarregada de realizar a injeção de seu espermatozoide. Ele a imaginava no seu laboratório, em plena conversa telefônica com o amante. Distraída, ela selecionava qualquer espermatozoide. Era aquele, mas poderia ter sido outro. Talvez ela pudesse até mesmo ter-se enganado de amostra e injetado o de outro homem no óvulo de sua mulher. Em seu fantasma, esse homem reintroduzia a dúvida sobre a paternidade. O ICSI, de fato, contrariamente a uma procriação clássica, garante plenamente um pai determinado. No plano clínico, societal e antropológico, isso mostra que, para se instalar, a função paterna precisa estabelecer o pai como incerto. Na mulher, observa-se às vezes um fantasma partenogenético, em que ela sonha fabricar o filho sozinha. Assim, esta paciente que fala de “nosso espermatozoide” ou essa outra que declara: “eu nunca teria conseguido sem a ajuda de meu marido”!
As biotecnologias esbarram em questões impossíveis, insolúveis, que são as de cada sujeito: de onde vêm as crianças? O que quer uma mulher? O que é um pai? Tudo ainda está por repensar!
A doação de esperma leva de fato a repensar a questão de saber o que é um pai. Sob esse termo se entrelaçam, de maneira complexa, o genitor masculino doador de esperma, o pai jurídico reconhecido segundo as regras de filiação, a figura masculina por oposição ao feminino. Cada uma dessas versões sendo importante para a criança na construção subjetiva. No caso do uso societal da assistência médica na reprodução assistida para casais de mulheres ou para mulheres sozinhas, pode-se avaliar até que ponto a interrogação de saber o que é um pai se põe em múltiplos registros, bem para além do horizonte da procriação.
Se é clássico evocar o pai como incerto, a doação de óvulo, assim como a gestação para outra pessoa, implica uma mudança fundamental que torna a mãe incerta – uma situação totalmente inédita até agora.
Poderíamos ainda evocar a procriação em sujeitos transgêneros: um homem que se tornou mulher, que conservou os espermatozoides, pode reivindicar ser reconhecido como pai enquanto mulher; uma mulher que se tornou homem pode pedir para ser reconhecida como mãe se carregou a criança no útero que conservou. Enfim, pode-se ter pais que são mulheres e mães que são homens. Pode-se calcular até que ponto as biotecnologias modificam os parâmetros da diferença dos sexos e das gerações, e interrogam, de fato, os limites do fora-de-limite.
A.V. – As predições genéticas colocam certos problemas biopolíticos quanto a saber que tipos de criança deveriam nascer ou não nascer. A seleção, que pode ser justificada em termos de saúde (impedir certas doenças), poderia também visar produzir uma criança dotada de capacidades de adaptação mais elevadas, uma criança perfeita, ideal, segundo uma estratégia segregativa, que poderia pouco a pouco tornar-se aceitável ou, até mesmo, cada vez mais aceita. Haveria aí um deslocamento do poder político, social e econômico na direção de um poder científico e médico que desenharia sujeitos mais aptos, mais aceitáveis?
F. A. – Efetivamente a sua pergunta aponta para um problema político novo que surge através do laço possível entre procriação e predição. O fato de dissociar sexualidade e procriação leva a associar origem e filiação: dada a acessibilidade do sequenciamento genético, é possível caminhar na direação de screenings preconceptivo, com o objetivo de detectar certos genes de risco e predizer o que poderia daí resultar para a descendência. O patrimônio genético poderia assim progressivamente substituir as formas clássicas de patrimônio. Talvez em breve será o nosso genoma e não nossa foto que mostraremos nos sites de encontro…
Pode ser que através da preocupação preditiva a procriação se descole cada vez mais da sexualidade. A prática procreativa não se originaria mais, então, da sexualidade e do desejo de ter um filho de um casal, mas seria o fruto de uma vontade de obter um filho perfeito ou com os mais reduzidos riscos genéticos. Haveria assim, de um lado, o casal e a sexualidade e, do outro, o projeto procriativo, sem que os dois estejam ligados.
O laço entre procriação e genômica poderia se colocar no primeiro plano das práticas de procriação. Será que aceitaremos deixar um lugar cada vez menor para o acaso na procriação?
Saber ou não saber? Essa é a questão que se põe antes da questão de nascer ou não nascer, de ser ou não ser – definitivamente trata-se de uma outra formulação da mesma questão. Pode-se querer não saber. O saber pode ser muito incômodo. O sistema de saúde não repousa essencialmente nesse não-saber que toca todo o mundo e que permite a reciprocidade e a solidariedade? Conceber com todo o conhecimento de causa implicaria assumir o preço disso por parte daqueles que estavam avisados e que escolheram procriar apesar de tudo? Será ainda possível dispor da liberdade de recusar o rastreamento preconceptivo ou este vai se impor sob a pressão econômica? Os sistemas de saude chegarão ao ponto de recusar o tratamento de uma doença que poderia ter sido evitada por uma avaliação preconceptiva? Entraremos em um regime de estigmatização das crianças nascidas doentes em consequência da recusa do rastreamento que poderia ter evitado essa situação?
As questões invadem a cena biotecnológica. As causas de vertigem se multiplicam. Como abordar a questão das seleções procriativas nos planos ético e político? Que futuro haverá para a liberdade de escolha de cada um? Respeitar-se-á a liberdade de escolha do cônjugue? O que significa o consentimento face a essa evolução? Haverá um meio de responder definitivamente face a lista infinita de perguntas trazidas pelas novas práticas preditivas? Poder-se-á estabelecer um limite entre o melhor dos mundos possíveis e o pior dos mundos prováveis?
Será que enveredei por uma via catastrofista incitado pela sua pergunta? A questão da predição é também a questão do para além da predição, contanto que, naturalmente, esta última seja possível e que a predição não seja fatal. Ir além do que foi predito supõe conservar abertos outros registros além do da predição.
Trata-se de restabelecer o registro da contingência para além daquilo que se impõe no registro do necessário. Uma predição a partir do passado não prejulga a respeito do sujeito que disso vai surgir.Uma predição revela também o infinito daquilo que não pode ser predito. Como psicanalista, é em primeiro lugar a partir da possível resposta do sujeito que nós orientamos. Como diz Lacan, “de nossa posição de sujeito, somos sempre responsáveis“[4]. Podemos nos tornar responsáveis pelo nosso genoma? Esta é a verdadeira pergunta para além da predição. Nem tudo pode ser reduzido ao passado. A origem deve poder ser reencenada em um devir mantido aberto. Esta é a aposta da psicanálise.
Entrevista publicada na revista semanal Ñ do jornal Clarin em 04 de maio de 2019.
Traduzido
por Márcia Aguiar, a partir da versão francesa publicada na
edição 841 de Lacan Quotidien.
[1] Ansermet, F., « Advenir de lo insoportable ? » In : Widmer V., Identidad y filiacion : niños desaparecidos durante la dictadura argentina, una clinida de la singularidade, Buenos Aires, Letra viva, 2018, 17-20.
[2] Lacan, J., Le Séminaire, livre XVII, L’envers de la psychanalyse, Paris, Seuil, 1991, p. 143. [A palavra usada por Lacan é butée, na tradução brasileira, escolho. NT]
[3] Lacan, J., Le Séminaire, livre VI, Le désir et son interprétation, texto estabelecido por J.-A. Miller, La Martinière et le Champ freudien éditions, junho 2013, p. 108.
[4] Lacan, J. “La Science et la vérité », Écrits, Paris, Seuil, 1966, p. 858.