Velho é a mãe 23/07/2014

Por Claudia Riolfi

Monty Pithon – os cinco septuagenários vêm divertindo as pessoas com seu humor absurdamente inteligente, desde 1964. 

Londres, 20 de julho de 2014, um dia indeciso: acordou nublado, evoluiu para um verão quase tropical e, por volta das cinco da tarde, ficou parecendo São Paulo, um chove não molha, coisa besta, coisa que não atrapalhou a multidão de 15 mil pessoas se movimentando para The O2, no sudeste de Londres.

Eram os mais espertos. Gente que teve agilidade (e muitas libras) para comprar ingressos, esgotados em 15 minutos após o lançamento de um show. O tempo atrapalhou muito menos aqueles que, depois de muito reclamar, foram agraciados com a oportunidade de, por cerca de cinquenta reais, entrar em uma sala de cinema para assistir à transmissão do espetáculo em tempo real.

Mesmo para essa modalidade, não foi fácil encontrar ingressos na capital da Inglaterra. Diz-se que foram vendidos há meses. Quando um cinema esgotava, montava-se outro. Anunciou-se que 60 mil ingressos para a transmissão ao vivo foram vendidos em torno do mundo. Então, por volta das 11 da noite, quando tudo terminou, era grande o movimento de pessoas andando pela cidade. Quem costuma ir ao cineminha da esquina saiu da sua zona de conforto. Aproveitou para comemorar com cartazes, bottons, fantasias, testemunhos diversos de “eu estive lá”.

O show uniu pessoas diferentes. A lady e o punk. O roqueiro e a princesinha. Nos pontos de ônibus, plataformas de metrô, esquinas, calçadas, todo mundo relembrava o que tinha acabado de ver. Vi entusiastas, que pareciam ter não mais do que dez anos de idade, ao lado de pessoas que poderiam ser seus avós. O número de jovens na faixa dos vinte anos era um pouco maior do que o de outras faixas etárias. O que teria causado tamanho interesse? Uma jovem sexy, rebolando ao som de mixagem eletrônica? A mais nova boy band do pedaço?

Nope! O que nós disputamos a tapa (essa articulista incluída) foi a chance de presenciar a última apresentação conjunta de Eric Idle, 72 anos; John Marwood Cleese, 74 anos; Michael Edward Palin, 71 anos; Terrence Vance Gilliam, 73 anos e Terry Graham Parry Jones, 72 anos. Para quem não se lembra, os cinco septuagenários vêm divertindo as pessoas com seu humor absurdamente inteligente, desde 1964, com o Monty Pithon.

Diz-se que seu trabalho é marcado pelo completo surrealismo das cenas. Eu diria que o surrealismo da existência de pessoas como esses humoristas coloca em cheque a medíocre ideia de “velhice” que pessoas mais adeptas ao princípio do prazer compram com desenvoltura.

Como, nesse mundo em que os aplicadores de Botox estão se tornando milionários, cinco caras conseguem fazer com que 75 mil pessoas olhem para o palco e não vejam os cinco velhotes que, empiricamente, estão lá? Como eles encantam? Como é possível manter tamanho interesse ao longo do tempo? E mais: como é possível gerá-lo em pessoas que nasceram depois do início do seu trabalho?

Talvez motivada pelo 49º aniversário que se aproxima, ouso construir algumas hipóteses. Eles:

  1. Não se levam a sério – Jonh Cleese, travestido, personifica isso ao atuar como se fosse uma cientista mais preocupada com o nome próprio do que com o avanço da ciência. A entrevista que a “cientista” concede a uma emissora de televisão, fazendo a apologia do “eu-eu-eu”, “meu-meu-meu” é tão hilária quanto educativa;
  2. Se usam para monstrar o pior das fantasias do interlocutor – Eric Idle e Michael Palin, por exemplo, dão uma aula de como o supereu funciona ao personificarem dois juízes muito severos que, após deixar o tribunal, passam a conversar a respeito da necessidade de atribuir penas graves às pessoas que cometeram faltas morais ínfimas, ao mesmo tempo em que se despem até revelar que, por baixo da toga, estão vestidos como prostitutas francesas;
  3. Elevam o nonsense à dignidade do mais importante dessa vida – Aqui os exemplos pululam. Por exemplo, uma grande discussão que poderia terminar em tragédia é interrompida pela chegada de Vikings lindíssimos, entoando uma canção convidando as pessoas para relaxar e passar as férias com eles na Finlândia;
  4. Encenam o gozo nosso de cada dia sem julgar: Por cinco libras, por exemplo, um dos personagens pode escolher entre as seguintes modalidades de satisfação: “receber sexo oral”; “ser abusado verbalmente” ou “entabular uma discussão”. Como bom obsessivo que é, compra a última, prolongando para dez minutos. Evidentemente, a “discussão” vai de nada para lugar nenhum;
  5. Colocam a sexualidade onde ela está: no centro da cena – Neste item, seria difícil tirar cenas. Entretanto, opto por narrar uma canção composta por quatro partes. A primeira, narra as delícias de ter um pênis. A segunda, as maravilhas de possuir uma vagina. A terceira, como é bom ter nádegas adornadas por um ânus. A parte conclusiva exorta a todos para escolher qual dessas partes vai preferir usar, alertando que cada uma das escolhas traz consequências diferentes;
  6. Mantém o corpo vivo: Durante as três horas de show, os cinco humoristas atuaram, cantaram, dançaram, pularam, subiram, desceram, pintaram e bordaram. Mostraram não só um preparo físico invulgar como um prazer (visível a olho nu) de estar onde estavam, fazendo o que escolheram fazer; e, finalmente,
  7. Exercitam a repetição diferencial: Devido ao tamanho do The O2, o show do palco era replicado em telões laterais. Neles (e, provavelmente, devida a transmissão simultânea para outros países), o texto falado aparecia também legendado. Assim, quem não acompanha tão bem o inglês oral tinha a oportunidade de ler o que estava sendo dito. Sério? Bom, seria assim, caso nossos cinco amigos tivessem se atido ao texto. Nas peças mais tradicionais, improvisaram piadas novas, inseriram trocadilhos com a linguagem, brincaram com pessoas da audiência, fizeram piadas uns dos outros, montaram um novo show dentro do velho.

Meninos, eu vi. E a felicidade de ter visto foi tamanha, que o único modo de partilhá-la que pude encontrar foi escrever esse convite para que os herdeiros de Freud e de Lacan, ao escutarem essa gosma de que a psicanálise é uma coisa velha, saibam se inspirar no humor inglês para inventar a boa resposta.

Claudia Riolfi é Professora Livre-docente da Universidade de São Paulo. Cursou pós-doutorado em Linguística na Université Paris 8 Vincennes-Saint-Denis. Psicanalista, é Diretora Geral do IPLA.