Uma viagem pelo “O Sintoma”, a partir de Sigmund Freud 19/08/2021

Trabalho apresentado ao final do primeiro semestre do Curso Intermediário – De Freud a Lacan: O Sintoma.

Marianne Meni

E não é que a nossa vida mudou? Sem ao menos a realidade nos consultar. Pois que esta impõe-se e quando percebemos já está a nos confrontar. Com urgência, nos encarando e convocando a nos implicarmos com a cena da própria vida. Como disse Guimarães Rosa em seu Grande Sertão, “Natureza da gente não cabe em nenhuma certeza” e Jorge Forbes nos relembrou em sua conferência introdutória, “Ser humano não é ser natural”.

Ao longo do primeiro semestre de 2021, permeado pelo prolongamento da pandemia do Coronavírus e a crise político-social brasileira, tivemos a oportunidade de realizar uma tocante e inspiradora viagem através de importantes textos de Sigmund Freud e a cada aula nos aprofundarmos um pouco mais em sua teoria, sob o comando brilhante do corpo de formação do IPLA, sempre a nos instigar.

Nessa viagem, tivemos a oportunidade de conhecer mais a fundo figuras ilustres, dentre elas, Dora, exemplificando um caso de histeria; o Pequeno Hans, que nos mostrou as fobias e a ameaça da castração e apontou o sintoma como expressão disfarçada do desejo; o Homem dos Ratos, que trouxe luz aos sintomas obsessivos; a jovem paciente homossexual de Freud que nos apresentou o complexo de Édipo na menina e por fim, conhecemos o caso de Daniel Schreber e acompanhamos o desenvolvimento de sua psicose.

O ponto de partida dessa viagem se deu na aurora da psicanálise, onde havia uma suposta “pandemia de histeria” entre as mulheres, que eram atendidas em hospitais psiquiátricos por diversos médicos, entre eles Breuer e Charcot, utilizando métodos como hipnose e catarse.

Foi necessário que Freud emprestasse sua escuta a essas mulheres para enfim constatar que seu padecimento, longe de designar uma “degenerescência” feminina, revelava, antes de tudo, um sofrimento íntimo e psíquico. Anna O., Emmy von N, Lucy R., Katarina, Elisabeth von R e Cäcilie M. foram algumas das importantes mulheres que contribuíram para o desenvolvimento e estudo da psicanálise. A partir delas, Freud constatou que a histeria origina-se de um conflito psíquico, gerado por um evento traumático de caráter sexual, não lembrado no estado consciente. Pôde chegar à conclusão de que “nossas doentes histéricas sofrem de reminiscências” e com isso, de que o sintoma só pode proceder de lembranças que ficaram “do outro lado” (sejam elas reais ou fantasias).

Como Freud trouxe numa de suas frases preferidas de Charcot, de 1893, “A Teoria é boa, mas não impede que os fatos existam”, e com isso, deslocou a palavra de autoridade da teoria, para a realidade da clínica psicanalítica. Através de suas constatações, Freud abandona a hipnose, rompendo com Breuer –  que discordava do amigo com relação à ênfase do conteúdo sexual das neuroses – e opta, por fim, pela fala em associação livre, através da qual se espera que o paciente revele tudo que passa por sua mente, sem ressalvas, certo de que os pensamentos e lembranças estarão relacionados com o sintoma e sua cura pela fala.

Partimos então para nossa próxima parada, quando Freud aprofunda-se na questão do sintoma e como se dá a formação do inconsciente. A descoberta do sintoma foi fundamental para que Freud pudesse descobrir as outras formações e trazer à luz conflitos recalcados. Em suas análises, pôde perceber que quanto mais algo é reprimido, mais forte é o sintoma e, também, que existe manifestação do inconsciente em todos nós, em forma de chistes, sonhos e atos falhos. Que alguns conflitos são estruturantes do Eu, e a partir do inconsciente há a possibilidade de se chegar no conteúdo latente.

Em sua “Conferência XVII”, Freud pontua que os sintomas neuróticos têm um sentido comum que se estabelece de acordo com a vida de cada um. Relaciona a neurose obsessiva à satisfação de desejo sexual recalcada e explicita, mais uma vez, o conteúdo sexual que esses sintomas encobrem, revelando e ocultando o conflito psíquico.

Na “Conferência XXIII”, Freud defende que os sintomas se formam quando “duas forças conflitantes se encontram novamente no sintoma e se “reconciliam”, através do acordo representado pelo sintoma formado. E por esta razão também, o sintoma é tão resistente: é apoiado por ambas as partes em luta.” O sintoma, portanto, é um produto transfigurado pelo impulso de satisfação inconsciente da libido e pela proteção exercida pelo recalque, mantendo o equilíbrio entre essas instâncias, até que o sofrimento que o acompanha convoque o indivíduo a buscar outra solução.

O que Freud encontra e desenvolve ao longo de sua prática clínica e pudemos acompanhar até então, é que os sintomas carregam em si uma satisfação que torna o tratamento difícil. Ele percebe que é com muita resistência que os pacientes abrem mão de seus sintomas e, ainda assim, não de modo total e definitivo. Essas conclusões o levam à elaboração de outra hipótese, e então o conceito de sintoma passa a ter duas faces: o sintoma como mensagem, passível de interpretação, e o sintoma como satisfação pulsional, que é aquele que resiste ao tratamento analítico.

Em “Inibição, sintomas e angústia”, Freud apresenta o sintoma como “o verdadeiro substituto e derivativo do impulso reprimido … continuamente renova suas exigências de satisfação e assim, obriga o ego, por sua vez, a dar o sinal de desprazer e a colocar-se em uma posição de defesa” (p. 103). E assim, Freud se vê diante da questão de como a satisfação de uma pulsão, mesmo que provisória, pode produzir desprazer. Começa a pensar sobre os limites da clínica analítica diante da impossibilidade de satisfação pulsional e, logo, da eliminação dos sintomas e da neurose.

O trabalho analítico se baseia então em reconduzir o sintoma à sua origem recalcada através da fala, e o analisando se defronta com algumas possibilidades do que fazer com seu sintoma dentro da análise – ele pode dominar o desejo, aceitá-lo ou sublimá-lo, criando por exemplo arte, música, poesia… Pode-se dizer que a própria psicanálise de Freud é uma obra de sublimação. O que eu faço com aquilo que “é mais forte do que eu”? Com essa pergunta, Freud lançou a terceira ferida narcísica.

Como tudo nessa vida, nossa viagem através das clínicas e conceitos de sintoma em Freud, por ora chegou ao fim. E a hora do adeus nem sempre é fácil. Diante da realidade do sintoma, como solução de compromisso, mas também como satisfação pulsional, o que Freud entrevê é que a psicanálise, assim como a própria vida, não pode dar garantias. Cabe ao analista dar consequência, e ao sujeito, responsabilizar-se.

Marianne Meni, designer e aluna do Corpo de Formação do IPLA.