Uma temporada com Lacan: Alinhavos e Pinceladas 03/11/2022

Rúbia Maria Pereira

 Para além da surpresa e da repetição: —
(Octavio Paz, p. 315)

Havia lido Uma temporada com Lacan há alguns anos, mais precisamente para esclarecer pontos complexos do ensino de Freud e de Lacan, necessários então para o desenvolvimento de parte de minha dissertação de mestrado: focada no estudo de tragédias gregas a partir de base teórica literária e psicanalítica. À época, sua leitura me fez sentir grata e ao mesmo tempo vingada.

Grata porque, ainda que feita sem uma análise mais detida, essa leitura inicial me ajudou a compreender pontos nevrálgicos da clareza complexa de Freud, e, principalmente, do barroquismo denso (e divertido) de Lacan; além de a declarada dificuldade de seu autor diante da leitura dos Escritos ter me feito sentir menos só em minha obstinada tentativa de entender a lógica reversa de alguns conceitos psicanalíticos.  

Nesse particular, confesso que em meus primeiros contatos com o texto lacaniano minha vontade era, de fato, rasgar tudo e “chutar o balde”; pois embora lesse e relesse páginas e páginas de Escritos não conseguia entender bulhufas; a ponto de questionar, tal qual Pierre Rey no início desse seu livro (p. 37), minha própria inteligência e, lastimavelmente, também a de Lacan: ou era eu a pateta ou aqueles textos não passavam de uma bela patacoada.

Enfim: o fato de um autor de peso como Rey testemunhar que mesmo tendo passado por dificuldades de leitura parecidas com as minha demandou e concluiu uma longa análise com Lacan, além de, é claro, ter-se tornado no trajeto dela um expert no assunto; caiu-me como um bálsamo. E, obviamente, ajudou-me a não desistir, assim como a compreender que o estilo de escrita de Lacan era mesmo um desafio propositado do tipo “leia-me e/ou devoro-te”.

Mas vingada por quê? Simplesmente por ter entrado em júbilo quando li, no final do terceiro capítulo desse seu livro, as “brigas transferenciais” que o autor travou com o psicanalista francês na trajetória de sua análise: seja ao lhe comprar charutos somente para ter o gostinho de vê-lo lhe pagar algo, seja com o jogo do cinzeiro, do olhar e de silêncios. (p. 69-70) Sentimento que me ocorreu, é claro, somente até eu metabolizar aquilo que Rey acrescenta no final de sua já referida crítica aos Escritos: “Lacan não fala para idiotas.” 

Na leitura que ora faço dessa obra, porém, agora mais por demanda que por necessidade, proponho-me a estudar recursos literários utilizados por Rey na narrativa de seu percurso no divã, relacionados prioritariamente à repetição estilística para, à luz também de expedientes teóricos lacanianos sobre a repetição, analisá-los num movimento de mão dupla.

Isso por pressupor que a conjugação de ambos os recursos, literários e psicanalíticos, pode contribuir para o aprofundamento da leitura da reinvenção do narrador-protagonista[1] em seu processo de análise; bem como para maior compreensão de pressupostos teóricos pertinentes a tal fenômeno em psicanálise.

Tecido desigual e ondeante

Dito isso, passo à análise da narrativa em que Rey costura, entremeada com pontos teóricos do ensino lacaniano,[2] a autobiografia de sua experiência de dez anos no divã construindo, para tanto, um texto híbrido por excelência; no qual mescla elementos estruturais do conto, da crônica e, sobretudo, da novela.Esses últimos caracterizados no enredo do livro por sucessivos avanços, retornos e quebras de células episódicas (que chamo aqui de “cenas”) focadas em temas plurais e intercaladas por descrições, observações e digressões; as quais estão conectadas, porém, por ter em comum um mesmo conflito central e um desfecho final único.

Da estrutura do conto, Rey importa para a tessitura dessa sua novela um tanto atípica a densidade (a ser comentada no fim) e o recurso de sequestrar a atenção do leitor por meio do suspense sobre dois fatos:o final de sua análise e a morte do Gordo. Ou seja, do amigo que lhe indicara Lacan, com o qual rivaliza em alguns trechos da narrativa e a quem dedica o livro; cuja morte é várias vezes anunciada para ser narrada somente no penúltimo capítulo da obra (p. 150, 153, 157 e 159).

Já da crônica, o autor pega emprestado principalmente o humor, cujas pitadas pulveriza aqui e acolá na narrativa, como forma de temperar o tom, às vezes bem árido, da história de sofrimento e angústia vivida pelo autor em seu trajeto de análise. Dessas pitadas realço a transcrita a seguir, a meu ver expressiva e bem divertida.

Eu ficava de doente de pagar para não dizer nada. Em outros momentos, deixava-me ali muito tempo, disponível à escuta – chamada de “flutuante”, para melhor indicar a diferença entre o analista que flutua e o analisando que está afundando – enquanto brincava com seus nós, ideogramas e fitas de Moebius. (p. 121)

Certamente por ser um cronista, atividade a que se refere algumas vezes ao longo da narrativa (p. 27, 49 e 134), Rey busca da crônica também o tom factual despretensioso e de gratuidade, que prima pela leveza e informalidade da fala coloquial, cujo mérito maior talvez seja o de seduzir o leitor e ganhar de saída a sua cumplicidade: o que, presumo, contribuiu para o sucesso de público dessa obra – entre não especialistas¸ inclusive – ­desde o seu lançamento em 1989 até hoje.

Com isso, transforma alguns trechos de sua novela numa espécie de conversa fiada ao “rés-do-chão”,[3]pincelada por vezes com comentários sobre a própria construção do texto; ou seja: com um outro elemento bem peculiar no texto cronístico, do qual o trecho a seguir transcrito, recortado do segundo capítulo da obra, é um exemplo:

Já deve ter ficado claro que a redação deste livro não obedece às leis da cronologia ou da primazia da anedota – nem sequer por intermédio dos sonhos interpretados – tampouco elementos de minha história pessoal (só aparecem para melhor designar a topologia do ponto zero), e muito menos ao ordenamento de uma hierarquia que os fizesse entrar em cena em ordem de importância. (p. 59)

Na sequência dessa digressão implicitamente direcionada ao leitor (recurso habitual na crônica mas recorrente também em novelas), o autor acrescenta que, no quadro A rendeira, tal qual ele o faz nessa obra também Vermeer, o artista barroco holandês que o pintou, foca tudo em torno de uma única coisa que não se mostra; ou seja: da agulha, “invisível”, com a qual a rendeira o borda.

Neste texto, Lacan tem um pouco o papel dessa agulha. Mesmo quando parece ausente, continua sendo o ponto focal ao redor do qual tudo é gerado e organizado. Causa da escrita e também de seus efeitos. (p. 59)

E será assim, portanto, num movimento espiral de invisíveis alinhavos, em que passado e futuro se confundem com a antecipação do segundo como “futuro anterior”, bem como com a “presentificação” do primeiro pela escrita; que Rey vai coser, entre descrições, observações e digressões, cenas vividas por ele e/ou por outros personagens em diferentes momentos e espaços. Cenas essas que, embora se antecedam, sucedam-se e se retomem em interação mútua, suplementando ou complementando umas às outras; parecem, às vezes, fragmentadas entre si.      

Nesse ir e vir, contudo, tal fragmentação é mesmo só aparente. Isso por algumas dessas cenas partirem de um “antes da análise” do narrador – quando o leitor o vê então como “tragador do tempo”, rodeado de amigos suicidas  e imerso numa vida de ócio, medo, jogatinas, festas, dívidas, anonimato e indiferença em relação a tudo e a todos, na qual até o “tédio lhe era gozo” (p. 18, 19 e 25); a maioria delas convergirem entre si transformando-se em sequência episódicas (com encadeamento a ser processado, porém, por nós, leitores); e, em seu conjunto, todas elas caminharem para um desenlace final de harmonia possível.  

Ou, noutros termos: para um “depois da análise” em que,tendo aprendido a “nomear as coisas”, Rey “descobre a felicidade de ser vulnerável”, “aprende a distinguir prazer de gozo”, “escolhe dedicar-se ao que já fazia”,  “opta por criar os meios para os seus desejos em vez de submetê-los a esses meios”, além de “declarar sua abertura ao amor”, seu “gosto pela vida e virtudes do excesso” e “estar onde gostaria de estar”; ainda que que, na conclusão de seu discurso narrativo, o leitor o encontre “instalado no provisório que construíra para até quando a morte dali o expulsar” (p. 124, 165, 168 170, 171 e 173).

Em síntese: mesmo que as cenas enredadas tenham um ponto de basta central e único, esse ponto não se configura como um “final” do “dizer-se” e do “dito”, sobretudo em se considerando que a própria escritura desse livro é ainda uma consequência da experiência de análise nele em relato. Ou, dito de outra forma: do cumprimento, em ato, de uma promessa feita pelo analisando com ela ainda em curso.  

[…] Ali onde fizera a mais longa de minhas viagens. Ali onde jurara a mim mesmo, cedo ou tarde, testemunhar. O tempo passara, eu não cumprira a promessa. E muito tempo ainda transcorreria entre o momento em que […] contemplava a gravura da pastora sob o castanheiro e este em que escrevo. (p. 11)

Iniciei a redação deste livro há mais de dez anos. Escrevera então os dois primeiros capítulos, tais como existem hoje […] Nos últimos dias, tão perto do objetivo – conclusão  destas  derradeiras  páginas –, uma bola obstruiu-me a garganta… (p. 144)

Daí a possibilidade de se aproximar o enredo em caracol do livro e o movimento pulsional (e, pois, também espiral) próprio da experiência analítica nele narrada (assim como de qualquer análise psicanalítica, aliás).

Movimento ondeante que, embora se conclua no tempo, na diacronia, não se encerra no espaço sincrônico da fala e é, por isso mesmo, e à semelhança do ritmo plurissignificativo do discurso literário, um campo aberto à produção reiterada e contínua de efeitos significantes. 

Tudo começa por se repetir…

Ao estruturar o enredo versátil de sua história de análise, Rey constrói quatorze tópicos distribuídos em sete capítulos que, ao contrário dos primeiros, são engenhosamente nomeados para que produzam um efeito fecundo e impactante.

Por que impactante? Ora, por tais capítulos serem intitulados na versão original francesa com substantivos ou adjetivos de terminação semelhante (Pacifique, Généalogique, Alphabétique, Anecdotique, Dialectique, Maieütique e Éthique); e, para além de sintetizar e articular o conteúdo sobre o qual gravitam, produzirem juntos, e simultaneamente, um efeito de iteração sonora e gráfica que, além de indiciar a ocorrência de reiterações em série na narrativa, induz o leitor a associá-lo tanto ao verbo francês “tiquer” (ter a atenção suspensa por qualquer coisa que surpreenda ou desagrade) como ao termo grego “tiquê; e, por extensão, ao fenômeno da repetição em psicanálise. 

Associação bastante justificável, no segundo caso, por ter sido o termo tiquê que, juntamente com autômaton, Lacan buscou em Aristóteles para conceber e apresentar, no Seminário 11 (1998b, p. 55-65), a repetiçãocomo um dos quatro conceitos fundamentais da psicanálise.

Diferentemente de Freud, porém, de quem retoma o conceito derepetição, Lacan a relaciona não à recordação, à resistência, à transferência e à atuação em ato; e sim ao trabalho fundamental da pulsão de morte que, pondo-a em circuito, produz o retorno ao furo na linguagem, à falta-a-ser, ao objeto a causa do desejo, enfim. Objeto perdido que, por consistir num “vazio”, ou poder ocupar o lugar de um “etecétera”,[4] torna-se o motor da cadeia de significantes.

Concebendo o efeito resultante da articulação dos dois termos como repetição, Lacan define “tiquê” como o “encontro do Real” que vige por trás dos automatismos do “autômaton”; e, esse último, como “o retorno, a volta, a insistência dos signos” sob a domínio do princípio do prazer que reduz tensões.

Por vigorar por trás dos automatismos inconscientes do autômaton, o encontro faltoso do Real, o não-todo, o não-sentido da fala, a tiquê, enfim, desloca as leis da rede de significantes fazendo que surja o novo, a novidade, a singularidade.[5] Logo, “o que se repete, com efeito, é sempre algo que se produz […] como por acaso”; acrescenta Lacan.

Portanto, e ainda que não deva direcionar o tratamento do sujeito à repetição, o analista precisa se debruçar sobre aquilo que ele repete na análise para levá-lo a abandonar as cristalizações da fantasia que tamponam – como um quadro ou um véu – a angústia de sua incompletude, recalques e traumas que lhe voltam, por vezes, em sonhos, atos falhos, sintomas ou lampejos…. Para levá-lo a abrir mão, enfim, de significantes mestres que regem, de forma dura como pedra, seu campo subjetivo; e, assim, deixar seguir o desfile incessante de outros significantes capaz de constituir novas formas subjetivas.

Reiterações picturais

Como base nesse conceito de repetição como produção do novo, arrisco-me a reiterar, já aqui, ser realmente  o recurso da repetição aquilo que norteia não só a trajetória de análise do narrador como também toda a urdidura textual desse livro; quer seja na recorrência de analogias, metáforas e imagens; quer seja na iteração de motivos temáticos de descrições, cenas e comentários tecidos.     

Para fundamentar isso, retomo a análise da obra de Rey sublinhando de antemão o fato de sua tessitura estar recheada de frequentes referências à pintura: prática do autor desde a infância (p. 48) que, além de ter sido sua  formação inicial, foi uma de suas atividades também na juventude (p. 82). 

O ofício de pintor, no entanto, não era, necessariamente, aquilo que o pai e a mãe do narrador sonhavam para ele. Ambos queriam vê-lo apenas “professor de desenho, como forma de “polir as arestas vivas de sua devoradora paixão pela pintura”; ou “jornalista”; ou “escritor” e mesmo “desenhista”, desde que optasse por uma só dessas profissões (p. 49, 50, 125 e 155). 

Por ilustrarem de modo significativo o interesse do autor pela arte de pintar, enfatizo também as cenas do encontro de Rey com pintores emblemáticos como Dali e Picasso; bem como seus recorrentes comentários sobre outros grandes artistas do pincel, relativos a quadros, como os de “tecelãs” de Vermeer e de Bonnard, e, ainda, relacionados ao ofício de pintar (p. 49, 50, 59, 86, 87, 88, 89, 101, 136, 137, 143 e 144).

Exemplifico o último desses casos realçando, também por sua importância no contexto desta minha leitura, o trecho em que, durante um jantar com uma vendedora de pinturas inglesas, o narrador interroga e afirma em tom aparentemente jocoso: “Que pintura inglesa? Seus maiores pintores nunca pegaram num pincel: são poetas e escritores (p. 144).

Ampliando esse leque de reincidências sobre o tema pintura, aponto ainda a construção, no diálogo entre o narrador e Dali, de “merda” como metáfora de “pintura”: 

— Tenho um amigo – disse Dali – pintor de Nice, que está pensando em expor suas próprias merdas numa galeria.

[…]

—  Você está considerando a possibilidade de expor as suas?

—  Estou pensando no assunto. O Louvre é digno da merda de Dali. (86-87)

assim como a analogia entre excrementos e “linguagem técnica da pintura”; uma vez que essa última “implica”, “ao falar de matéria, borrão, merda, obra e fluidez de cores”, diz-nos o narrador, “idêntica similitude com as fezes” (p. 87- 88).

No mais, sublinho haver ainda nessa novela frequentes referências a sol, luz, cores, visão e olhar, que, direta ou indiretamente, aludem à criação e à fruição da pintura.

Nesse mesmo sentido, merece um destaque à parte a habilidade do autor de “tornar suas tintas vocábulos” (p. 50) para presentear o leitor – nos dois capítulos iniciais do livro, sobretudo, nos quais narra não o início de sua análise mas um momento anterior a ela seguido de outro em que já a havia começado – com descrições verdadeiramente picturais.

Dessas descrições “em tela” ressalto as duas a seguir transcritas… A segunda delas também por trazer a bela imagem metafórica do suicídio de G. S. como “incesto perfeito”.   

O sol penetrava numa bruma longínqua que velava seu fulgor, transformando-o num disco vermelho pousado na bandeja da névoa mais opaca que franjava a linha do horizonte. Mais adiante chequei a um quebra-mar grosseiro cuja intromissão mordia a praia em blocos de rocha. […]

[…] G.S pusera fim à vida durante a noite. Empanturra-se de barbitúricos, enrodilhara-se em posição fetal na água morna de uma banheira e, com uma navalha, cortara os pulsos. Os que o encontraram disseram que tinha nos lábios um sorriso de sossego… Ao espalhar seu sangue nas águas placentárias – nossos sonhos nos revelam a equivalência entre sangue e esperma no inconsciente – praticara metaforicamente o incesto perfeito, crime e castigo confundidos em alguns minutos de intensidade pura desbloqueando num passe de mágica o peso de uma existência barrada pela interdição. (p. 26)

Recorrências escópicas

Por sua dupla pertinência com a pintura e com a psicanálise, destaco agora as repetições relativas ao “olhar” como avesso da consciência, ou seja, como um olhar em reviravolta que “se vê vendo-se”; concentradas em especial no quarto capítulo da obra no qual, conforme indicado já no título, “Anedótico”, fatos curtos e curiosos são encenados.

Desses fatos “em pílulas”, a maioria se relaciona à “paralisia da inteligência” do nosso narrador em face da surpresa ou do espanto”,[6] além de ocorrer em “instantâneos de brilho” que o tocam e o desorientam no tempo e no espaço. Daí a importância de compará-los para verificar seus efeitos no contexto da invenção processada pelo autor ao cabo de sua análise.   

Antes de comentar tais recorrências, porém, julgo necessário expor, com  Antônio Quinet (2022, p. 6-8), o que é, para a psicanálise, “o olhar”. Isso porque, ao contrário da filosofia que considera “visão” e “olhar” como uma coisa só, compreendendo-os como metáfora de luz e conhecimento, e, pois, como atributo do sujeito da consciência; a psicanálise concebe ambos como objetos diferentes entre si: a “visão” como função do olho, e, o “olhar”, como objeto da função escópica; os quais são tomados, em Freud, para estabelecer a gramática das pulsões, e, em Lacan, o circuito pulsional entre sujeito e objeto.

Na teoria lacaniana, o olhar tem estatuto de objeto a: objeto causa do desejo para sempre perdido e constantemente buscado,[7] que só pode ser encontrado no campo do Real (registro da pulsão e causalidade), e, logo, como algo que escapa tanto ao reconhecimento especular (identificações, imagens, visão – registro Imaginário) como à representação (linguagem, nomeação, cadeia de significantes – ordem Simbólica).

Esse encontro do objeto perdido, contudo, será sempre malogrado por não haver, no Real, sujeito algum para reencontrá-lo; mas tão somente o semblante do sujeito pulsional, o não ser, o simulacro do ser, que, dessa forma, só poderá aceder a tal objeto como furo inapreensível. Ou seja, como uma espécie de janela sem bordas pela qual ele, o sujeito, “pressupõe-se” visado por um outro do mundo. Assim, o objeto a do olhar escapa ao visível embora possa ser pressentido, por exemplo, num sinal ou barulhinho qualquer: mancha, brilho, clarão, sombra, passos, farfalhar de folhas…

Ainda que não faça parte da realidade (seu lugar de causa, apenas) e não tenha um suporte específico como ocorre com outros objetos a das modalidades pulsionais oral, anal e vocal; o olhar retorna, num raio fugaz, ao campo do Outro (linguagem), onde pode ser apreendido – como angústia ou não – no ato falho, no sintoma, na inveja, no ciúme, na vergonha, e mesmo no prazer ou no desprazer escópico em face da surpresa e do espanto perante o  belo ou o monstruoso: pintura, música, jogo, cena de horror… Trata-se, pois, de um olhar que “se vê mas não é visto”; passível, por isso mesmo, de siderar o sujeito por uma fração de segundo.   

Como causa do desejo, o objeto a do olhar – evanescente por ser contornado pela pulsão que percorre a cadeia de significantes como uma corrente elétrica – permite ao sujeito tocar, acariciar, desnudar, fulminar ou afrontar com os olhos (função hárpica) algo ou alguém. O que lhe confere, portanto, um valor “agalmático” de distinção; de ponto onde a luz se projeta, é projetada ou elidida… De beleza, de esplendor, de brilho, enfim; ou mesmo de mancha, de sombra ou de abismo.   

Por ser por meio desse olhar que se “dá a ver” e “se vê se vendo” que o autor nomeia seu desejo e se reinventa no divã; sublinho o fato de antes de nos narrar as cinco cenas episódicas que pinçarei  de “Anedótico” o autor nos relatar ter vivido já “cinco instantes, cinco queimaduras: i) no olhar trocado com a mulher de cujo corpo goza no celeiro, ii) na visão, por sob a água, do corpo laranja da amada, assim como ao olhar iii) os pés azulados do afogado, iv) o ouro reluzente das cúpulas bizantinas de Moscou sob as quais uma multidão se agrupa em torno de um acordeonista, e, ainda, v) os dois pontos luminosos das corças sob faróis (p.76-78); vindo a comentar em seguida o fenômeno do olhar tal como concebido por Lacan (p. 81).

Julgo importante esse parêntese por entender que, além de se tratar de uma repetição temática, o ocorrido nesses “cinco instantâneos siderantes” até então narrados por Rey está em íntima conexão com o que se passa também nas cinco pequenas cenas episódicas (ainda que nem todas sequenciais) a seguir em foco; nas quais vislumbro o empenho do autor em narrar possíveis lampejos seus no encontro impossível do Real.

Isso posto, passo para a primeira dessas cenas (p. 90-91), na qual nosso narrador vaga atônito pelas ruas, “patinando em poças”, “empapado de chuva” e “ruminando angustiado” o “contate-me em caso de necessidade” que ouvira de  Lacan no final de sua última sessão, antecedida, aliás, por outras “muito duras”.

Sentindo-se mal, endividado e aflito, Rey questiona-se então o porquê de Lacan tê-lo “colocado entre suas urgências”, e, “surpreso por desviar os olhos de uma vitrine que lhe enviava seu reflexo”, também a “violência de suas reações” em relação a qualquer “elogio sobre aparência”; pois “não aguentava mais viver a fratura entre o que ele era e o que parecia ser”.

Por fim, e sem respostas para a “raiva fria” que sentia e o “insulto”[8]que lhe atingira naquele momento, relata que “somente anos depois um “acaso pode-lhe dar as primícias” do ocorrido.

Acaso esse cuja narrativa Rey inicia já na cena seguinte (p. 92-93), na qual o leitor o vê retornar à infância ao lembrar-se da mãe fazendo-o admirar, “trêmulo de pavor” e num “silêncio consternado”, uma foto em que, aos cinco anos de idade, ele se exibia num palco como um “jovenzinho prodígio”, um“reizinho patético” privado de sua coroa e derrubado de seu trono”, cantando e dançando músicas que expressavam o “sabor forte” de sua “trágica comédia infantil” de sujeição ao desejo do Outro; e, logo, também ao gozo do qual não se pode gozar; pois, segundo ele próprio afirma na abertura desse mesmo capítulo (p. 75), “não há gozo do gozo”.

E é ainda como assujeitado ao desejo do Outro que o nomeara e o lançara à condição de um “sem-nome” (dado  o seu lhe ter sido atribuído por outros, e pois, à sua revelia), à indiferença e à neutralidade ao “expulsá-lo dos bastidores e do palco encantado” que o autor vai narrar, na cena imediatamente a seguir (p. 93), um novo instantâneo paralisante (dessa vez “catártico”) que vivenciara num cruzeiro às ilhas gregas; quando se viu  então olhado por uma “lata jogada ao mar”.

Olhar metálico esse “que lhe jogou na cara o choque insosso de seus triunfos passados”, como se ele fosse o próprio “conteúdo da lata”. Ou melhor, como se fosse “lixo”, e, portanto, um objeto tal como os “falos” por ele desenhados como “centrais” e em “diversos aspectos” (isto é: quer como representação do órgão anatômico masculino quer como significante da castração) no álbum humorístico que mostra a Lacan na cena que precede todas essas que acabo de comentar.

Dito isso, importa ressaltar também essa quarta cena (p. 90-91), na qual pode estar a articulação de significantes cujo efeito deflagra, juntamente com as intervenções feitas por Lacan com a “oferta de contato em caso de necessidade”, e, mais adiante, com seu “pedido para ser presenteado”; o espanto e o desnorteamento do narrador nas cenas antes comentadas; já pelo fato dele próprio tê-la apartado das demais ao afirmar – de forma intrigante, aliás, porque em caráter de exceção na narrativa toda – que ela “não tinha nenhuma relação” com as cenas que lhe sucediam.

Ademais, é nessa cena “interdita” pelo narrador que Rey parece expor sua falta fundamental e seu desejo de ser um artista do pincel, simbolizando ambos nos falos desenhados no álbum humorístico; e, ao mesmo tempo, “denegar”[9] as duas coisas na recusa de presentear Lacan – conforme esse lhe pedira – com o álbum em questão,  sob o pretexto de sua criação ter lhe “exigido trabalho demais” e ele ser “muito zeloso dela”.

Dito de outra forma: o sujeito parece saber-se aí castrado e pintor, e assim querer ser visto; ao mesmo tempo que aparenta não querer saber nada disso nem ser visto como tal. Ao que tudo indica, nosso narrador cai aí em sua própria armadilha, mantendo-se apenso, pois, entre uma negação e certa afirmação de uma mesma coisa.

Contradição sutil essa que fica menos ambígua se levamos em conta também o ato do narrador de entregar seu álbum de desenhos (correlato de pintura, portanto) a Lacan “espreitando em seu rosto uma recompensa” por isso (p. 90); e, em seguida, sua confissão de não gostar da “vantagem” de qualquer elogio; e ainda, de “que não lhe agradava ser visto e jamais gostara de se olhar” (p. 92).

Tal denegação só vai se tornar evidente, contudo, no confronto dessa recusa inusitada do narrador de dar seu álbum a Lacan (a “quem daria o próprio sangue sem pensar duas vezes”) com as já citadas analogias de merda/pintura e de merda/presente; bem como com o trecho em que o narrador concebe os artesões das tintas como criadores de merda/presente/pintura, e, pois, como “presenteadores”,ao interrogar-se: […] metaforicamente o pintor, com ou sem talento, não era aquele que, através da sacralização de uma arte socialmente conhecida, se compensava de ter sido proibido de brincar com sua merda? (p. 87-88)

Nessa direção, faz-se necessário observar que, diante da recusa do Rey de presenteá-lo, Lacan intervém com um “corte” –  em sua denegação, suponho – ao pedir à secretária (Glória) que lhe fotocopiasse o álbum (p. 92).

Isso pela viabilidade de identificarmos aí, nesse corte, a possível articulação de significantes cujo efeito certamente contribuiu para deflagrar as siderações em série vividas pelo autor até a nomeação de seu desejo; e, sobretudo, de aliarmos ainda a tal intervenção o “insulto” sentido logo depois por nosso narrador, que, a se considerar com Didier-Weill (1997, p. 89), “[…] remete o sujeito a um julgamento a respeito do que ele realmente é desde sempre…”: para algo verdadeiro, enfim, que ele não tem como contestar.        

Contudo, é na quinta dessas cenas (p. 94-95), depois de todos esses instantes surpreendentes e flamejantes, que o leitor encontra o narrador submetido à “terrível provação de se olhar” na foto que tira de si numa cabine escura e com “clarões de neon por sob os seus pés”. Ou seja: novamente num instantâneo de brilho paralisador.  

Nessa “foto/grafia”, finalmente, na qual vê a imagem de um “jovem pálido, com “cabelos negros colados à testa” e “olhar prestes a se pôr em fuga”, Rey acaba por se reconhecer como ele mesmo. Como senhor de seu desejo, enfim, porque não mais assujeitado ao olhar do Outro; e, ato contínuo, como responsável também por suas ciladas imaginárias, sua dívida simbólica e sua incompletude de sujeito atravessado pela linguagem: miséria humana, afinal, em face do que só lhe restava a feliz graça de se reinventar. 

Arremates

Ao “cabo dessa sua longa travessia”, na qual de lampejo em lampejo é levado por Lacan “são e salvo para uma margem outra” (p. 172), Rey sinaliza em seu enunciado não ter havido qualquer passe mágico capaz de dá-la como definitivamente concluída. Tratou-se somente da nomeação ímpar de seu desejo que, sabemos, nunca cessa de se inscrever, como um constante etecétera, em nossa estrutura interdita de seres falantes.

Desejo plural e singular esse que, no caso de nosso narrador traduz-se, surpreendentemente, num simples “escolher” em vez de “aguentar” (p. 171) aquilo que, como assujeitado ao desejo do Outro, ele sentia inconscientemente como imposição externa.

Isso porque, no que se refere à escolha de uma atividade profissional, por exemplo, entre ser jornalista ou ser pintor/desenhista (ofício duramente repreendido pelo “não dos pais”), após nomear seu desejo o autor opta por continuar sendo tudo isso[10] e algo mais. Ou seja, escolhe ser também um “escritor-pictográfico”, ou um “pintor-escritor” de obras literárias; as quais publica num primeiro momento a pretexto de ganhar dinheiro e pagar sua dívida com Lacan, e, depois, como forma de quitá-la consigo próprio.  

Nesse sentido, enfatizo ser também frequentes na narrativa as repetições sobre o ato de escrever. Todavia, em momento nenhum o narrador parece questionar tal ofício como um desejo seu, embora ponha em xeque “a forma” de exercê-lo; como ocorre, por exemplo, num dos trechos em que comenta seu ato de produzir artigos jornalísticos para fins de seu próprio sustento, narrando em seguida, num aparente confronto, suas primeiras experiências na escrita de pequenas peças literárias (p. 32-33).

Concluo então, por derradeiro, incluir-se na produção literária do autor (que contou até mesmo como best-seller produzido durante sua análise) o texto híbrido ora analisado. Novela atípica em que, num ato de coragem, e também ético (porque como testemunho de um processo de análise, e em cumprimento de uma promessa feita a si mesmo no divã); o narrador cose e pinta – com efeitos – estruturas, imagens e figuras de estilo para extrair significado daquilo que parece factual e comezinho, e, poeticamente, nomear um vácuo absoluto de sua intimidade.

Portanto, além de alcançar nas linhas e entrelinhas de Uma temporada com Lacan a densidade própria do conto, encontrável também em crônicas e novelas poéticas; Pierre Rey concretiza no mesmo passo, de forma singular, e uma vez mais, a reinvenção a que se propõe no final de sua análise, ao entregar esse “livro-pintura” à leitura de todos nós.

Rúbia Maria Pereira é graduada em Artes e em Letras, pela UFU-MG; especialista em Literatura Modernista Brasileira e mestre em Teoria Literária pela UnB-DF; participante do Clube de Leitura Psicanálise do Século XXI e TerraDois e aluna do curso de pós-graduação A Psicanálise do Século XXI (Faap-SP), criados por Jorge Forbes.

Referências

CANDIDO, Antonio. A vida ao rés-do-chão”. Para gostar de ler: crônicas. Volume 5. São Paulo: Ática, 2003; p. 89-99.

DIDIER-WEILL, Alain. Os três tempos da lei: o mandamento siderante, a injunção do supereu e a invocação musical. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997. 344p. 

KAUFMANN, Pierre (Ed.). Dicionário enciclopédico de psicanálise: o legado de Freud e Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996; p. 356.

LACAN. Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998a. 941p.

_______. Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998b. 272p. 

MESQUITA, Samira Nahid de. O enredo. São Paulo: Ática, 1987. 80p.

MILLER, Jacques Alain. O amor entre repetição e invenção. Opção Lacaniana online nova série. Ano 1, Número 2. Julho de 2010, ISSN 2177-2673.

MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 1988. 526p.

MORAES LEITE, L. C. O foco narrativo. São Paulo: Ática, 1987, p. 5-46.

PAZ, Octavio. O arco e a lira. São Paulo: Cosa Naify, 2012. 352p.

QUINET, Antonio. Um olhar a mais – ver e ser visto na psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. 312p.

REY, Pierre. Uma temporada com Lacan. Rio de Janeiro: Rocco, 1990. 


[1] Na tipologia de Norman Friedman (Moraes Leite, p. 19-47) , “narrador-protagonista” é aquele que, como personagem principal da história contada, narra os fatos na primeira pessoa do singular; de um centro fixo; e limitado quase exclusivamente às suas percepções, pensamentos e sentimentos. Pela classificação de Jean Pouillon, esse tipo de foco é chamado também de “visão com”; e, quando se trata do próprio autor do texto – como é o caso da obra ora em análise – alguns autores o classificam de “autor-diegético”.

[2] Entre tais conceitos, com os quais o autor engendra uma espécie de visão panorâmica da teoria lacaniana, destaco: linguagem e inconsciente; trabalho do sonho (condensação/metáforas e deslocamento/metonímia);  registros Imaginário, Simbólico e Real; transferência e direção do tratamento; pulsões, fantasia e desejo; ambivalência amor/ódio; e fruição do Belo como forma de aceder ao Real.

[3] Expressão usada por Antonio Candido (2003, p. 89-99) em sua definição de “crônica”, no texto em que prefacia um dos livros da coleção Para gostar de ler: crônicas. Nesse mesmo texto, além de comentar o fato de a crônica ser em geral considerada “um gênero menor” por suas origens no jornal e trânsito apenas eventual em livros, considera ser a divertida simplicidade e oralidade do texto cronístico aquilo que o aproxima do leitor.

[4] Ao usar o termo “etecétera” significando o “ainda não dito”, Miller (2010, p. 4) o representa por três pontos sequenciais que, embora não tenham um elemento diferencial próprio de uma série, impedem o fechamento do todo fazendo que permaneça “não-todo” e, pois, sempre aberto a suplementações, a conjecturas… 

[5] Em sua explicação da repetição como produção do novo, Freud relata o caso da criança que, ao brincar com um carretel, repete/sinaliza a saída da mãe (ou, nas palavras de Lacan, “o lugar da falta”) exclamando “Da” sempre que o puxa para si, e “Fort” ao arremessá-lo. No dizer do psicanalista francês, “esse carretel é aí a resposta do sujeito àquilo que a ausência da mãe veio a criar […] o fosso em torno do qual ele nada tem a fazer senão o jogo do salto”. Não sendo a mãe e tampouco o sujeito, acrescenta Lacan, esse carretel é apenas “alguma coisinha que se destaca do sujeito embora ainda não sendo bem dele, a qual ele ainda segura”. (1998b, p. 63)

[6] Didier-Weill (1997, p. 17-28) denomina esse instantâneo de suspensão do saber do sujeito em face do espanto, da surpresa ou de um déjà-vu repetido ou nunca visto, de “sideração”.

[7] Ao virar-se no espelho para a pessoa que o assiste o infans (criança de poucos meses ainda sem maturidade neurológica para apreender a totalidade do próprio corpo, que até então o percebe como fragmentado) troca com esse outro “maternal” um instantâneo de olhar. Olhar esse que o enche de júbilo por lhe possibilitar vislumbrar, na imagem especular, a totalidade do corpo do semelhante; com o qual desde então passa a se identificar. (Lacan, 1998ª, p. 93) O brilho desse olhar inaugural – que se perde tão logo ocorre – é o objeto a causa de desejo para sempre perdido, a ser incessantemente buscado pelo sujeito; ensina-nos Antônio Quinet (p. 6-8), a partir de sua leitura de textos lacanianos.

[8] Segundo Didier-Weill (p. 88-91), ao contrário da injúria, que “diz algo falso e produz uma significância”; o insulto atinge o sujeito mais profundamente por dizer uma verdade; ou seja, por “nomear um real que ele “não está em condições de contestar”. Assim, se chamamos de “pão-duro” alguém que é esbanjador, ele vai se sentir apenas injuriado, pois sabe que isso não é verdadeiro; mas, se chamamos assim alguém que, de fato, tem um apego excessivo ao dinheiro, ele se sentirá sim insultado. Enquanto a injúria remete o sujeito para o segundo superego, o insulto o remete para o primeiro (o da censura); acrescenta o autor.

[9] De acordo com Kaufmann (1996, p. 356), a denegação) é, em Freud, a “negação do sujeito de qualquer articulação entre si mesmo e um conteúdo que ele exprime.”

[10] Na entrevista Une saison chez Pierre Rey, concedida a Chantal Calatayud (IFPA/França), em outubro de 2000, e, portanto, depois da publicação desse livro; Pierre Rey afirma ter abraçado também o ofício de pintor ao responder a questão “- Qual é, para você, a palavra mais bela da língua francesa?”, da seguinte forma: “- Luz, porque sou um pintor e a luz é o contrário da morte”. Disponível em http://www.ifpa-france.com/interview-pierre-rey-auteur-ecrivain-livre-une-saison-chez-lacan-psychanalyste.html. Acesso em: 07/09/2022.