Por Maria da Glória Vianna
Tal qual uma sessão de análise, a antessala é o lugar do inesperado
Cheguei. Duas pessoas, comigo três. As revistas e os pensamentos eram os acompanhantes de todos que ali esperavam. Ninguém queria conversar. O cheiro de comida, vindo de algum lugar, lembrou-me de que era hora do almoço. A fisionomia das pessoas indicava suas inquietações. Apesar do silêncio, parecia que de tanto as pessoas pensarem, o lugar se enchia de ruído. De repente, o cara de lá de dentro chegou da rua. Surpresa! Trouxe um sorriso e um vaso de flores nas mãos. Tal qual uma sessão de análise, a antessala é o lugar do inesperado.
A chegada do analista mudou completamente o clima. Parecia que as pessoas se sentiram acolhidas. Em pouco tempo, o papo já corria solto e animado. A vibe estava tão boa que parecia uma multidão! Aqui, é comum que se falem várias línguas, inclusive com o cara lá de dentro. A moça bonita falava comigo em italiano, sua língua materna. O moço do lado não entendia nada.
Eu cantarolei um verso de uma música que despertou nela uma infância em que ouvia essas músicas. Era como se esse momento já tivesse acontecido “una volta”, como se todos, de repente, já tivessem participado de um sonho conjunto. Mesmo o rapaz que não falava italiano nos indicou que tinha capturado esse momento mágico de lembrança de um passado significativo e carinhosamente recordado.
Nós sorrimos. Ninguém precisava falar nada. Estávamos decididos a partilhar um sonho, um sorriso, uma ideia, um problema de um filho, do marido, da faxineira, uma canção… O assunto pouco importa, o mais gostoso é a conversa em que você só se preocupa com a voz do amigo ou da amiga, ou com seu riso, seus olhos, sua boca mexendo quando vai falar…
Aproveitei o clima amistoso e perguntei para um colega, fotógrafo, que naquele momento se preparava para expor seu trabalho, se ele nunca tinha tido vontade de fotografar a expressão daqueles que olham suas fotos. Disse-me que, há muito tempo, já vinha pensando nisso. Para ele, seria interessante se surpreender observando a pessoa que olha sua foto, invertendo, partilhando o olhar.
Agradeceu-me por ter reforçado o que ele pensava, dando contornos. Sentiu-se reconhecido em minha sugestão. Foi chamado. Lá dentro, o negócio é outro: não há nada que se possa partilhar, dividir ou confidenciar. Viemos aqui para ser tratados.
Maria da Glória Vianna é psicanalista, mestre em linguística pela PUC e membro do Corpo de Formação do IPLA.