Uma sala chamada da espera: o imponderável de uma psicanálise 06/08/2015

Por Maria da Glória Vianna

A Sala da Espera é o lugar onde as pessoas permanecem escutando incertezas

Cheguei à Sala da Espera. Estava silêncio. Cada um lia uma revista. Ninguém levantou os olhos para me cumprimentar. Normal. Não estranhei. Sabia que a pessoa que chega é vista como um “rival potencial”. Como ninguém sabe a ordem de chamada, a porta que se abre dá origem à pergunta: – Quem será que entra antes de mim?

Sentei-me em silêncio. Fui notando a crescente aflição das pessoas. Queriam ser chamadas logo. Precisavam falar. Cada uma foi fechando as revistas e as jogando com gesto de enfado. Uma delas só não saiu pela janela, porque essa estava fechada e com a cortina abaixada. A vontade era perguntar para o colega de espera: – Qual é o seu horário? Ou, ainda: – A que horas você chegou? Na dificuldade de fazer isso, parecia que o melhor era começar a falar ali mesmo, da maneira que se conseguisse.

Depois da revista, do café, da ida protocolar ao banheiro, as conversas começaram. – Está quente hoje, né? – Vocês notaram que mudaram a luz? As queixas a respeito do trânsito são campeãs de audiência. Em segundo lugar do pódio, estão os comentários a respeito da mudança da temperatura em São Paulo. Com a progressão das amenidades, as pessoas acabam se tornando “irmãs de espera”. Tentam, a todo preço, se tornarem agradáveis umas para as outras.

Um rapaz de terno, bem másculo, me perguntou à queima-roupa: – Onde você comprou o seu sapato? Vendo minha cara de espanto, e o movimento que me fez quase cair da cadeira, esclareceu que desejava presentear sua esposa. Uma senhora chegou. Dirigiu-se ao banheiro e, quase vinte minutos depois, saiu maquiada e perfumada, como se estivesse indo a uma festa. Ao meu lado, um professor universitário dormia, alheio às conversas paralelas.

De repente, o ambiente mudou. Rosana, a secretária, tinha acabado de pegar uma bandeja com café, água em um copo prateado com bastante gelo e um prato de banana amassada com canela. Quando ela atravessa a sala em diagonal e você sente o cheiro de canela, a interpretação só pode ser uma: o Cara lá de dentro já chegou ou está subindo no elevador. A animação e o alívio são imediatos: a espera vai terminar!

Todo mundo se olha. Quem quer falar tem pressa! Quer que sumam as pessoas que, ele sabe, estavam na sala antes dele chegar. Existe um consenso a respeito da ordem de chamada. Mesmo assim, o enigma é sempre mantido. Quem o Cara vai chamar primeiro? No fundo, partilhamos da mesma indagação: – Quem sou eu no desejo do Cara lá de dentro? Não adianta perguntar para a secretária. Seu silêncio é analítico! Faz-nos entender que ninguém tem garantias com relação a nada.

A Sala da Espera é o lugar onde as pessoas permanecem escutando incertezas. Onde se partilha a condição de ser uma pessoa aflita, esperando a vez para falar de seu sofrimento, suas angústias, mas, também, alegrias, conquistas e desejo. Onde os analisandos se reencontram sendo pessoas que, a cada vez, descobrem a inutilidade de antecipar como será a sua psicanálise. Onde se percebe que nessa Sala, assim como na vida, é o lugar onde se espera o imponderável.

Maria da Glória Vianna é psicanalista, mestre em linguística pela PUC e membro do Corpo de Formação do IPLA.