Um religioso, outro gay: o que fiz? 06/06/2013

Por Dorothee Rüdiger

O aprendizado nos faz encontrar na falta de sentido a grande chance para inventar uma vida plena

Vi as fotografias de seu casamento na rede social. Meu amigo estava garboso, um charme: de terno e gravata e com fios de cabelo branco aparecendo na testa. Nem parecia aquele rapaz, um tanto quanto esculachado quando adolescente. Frequentava a casa dele. Adorava sua família de artistas, para a qual música, pintura e poesia faziam parte do dia-a-dia. Tomamos rumos diferentes em nossas vidas. Cada um escolheu uma profissão, casou e constituiu família. Depois de muitos anos nos reencontramos com histórias de amor e sofrimento para contar. Nos tornamos amigos na rede social e retomamos nossos caminhos. Soube, assim, que meu amigo se casou – com outro homem.

“O que fiz?”, me pergunto.

Lembrei de outra história de amor que, mais uma vez, a rede social não deixa cair no esquecimento. Há semanas, tenho a oportunidade de acompanhar e curtir, foto a foto, a viagem de um antigo amor pelos lugares sagrados da Europa. O conheci quando era seminarista. Impedi que vestisse a batina. Tivemos uma família, uma história e nos separamos. Tornei-me uma psicanalista e ele, agora sim, vestiu a batina e tornou-se religioso. Passou semanas caminhando e meditando no caminho de Santiago. Em sua viagem para o interior, visita mosteiros e igrejas, afastando-se, passo a passo de quem, como eu, prefere matar os desafios da vida no peito.

“O que fiz?”, me pergunto.

Quanta angústia eu causei? O que fez um casar com um homem e outro escolher a vida religiosa? Qual é minha parte nisso? Em minha busca de emancipação, enfrentei os homens, paradoxalmente, com um jeito masculino de ser. “Sei e posso. Sou independente. Não preciso de um homem para (quase) nada.” Tal era, durante muitos anos meu lema e, de certo, também o lema de muitas mulheres de minha geração.

Ledo engano! Ledo engano? Revendo minha participação no movimento feminista, vejo que deixamos o mundo um pouco mais aberto e mais livre, sim. Contribuí para que as grandes figuras paternalistas e machistas não existam mais ou estejam com os dias contados. Nada mal! Mas, e o amor? Assustei com minhas exigências de discutir a relação. Assustei com minha aparente autossuficiência. Assustei, principalmente, porque quis ser “que nem homem”: ter a última palavra, ter poder nas mãos para mandar e desmandar. Custou-me perceber que ser uma mulher é outra coisa. Ser uma mulher é largar os padrões e estar mais próximo daquilo que não se expressa com palavras de ordem, daquilo que o poder não domina.

Meus amigos, gay e religioso, estão buscando sentido num mundo que perdeu o sentido único dado por uma figura paterna. Talvez o outro homem saiba por onde ir sem errar? Assim, um busca na união com outro do mesmo sexo, algo que o deixe menos inseguro. Talvez Deus possa indicar o caminho certo num mundo que perdeu o rumo? Dessa maneira, o outro procura no divino um remédio que possa aliviar a dor de viver.

Apreendi, em análise, encontrar na falta de sentido a grande chance para inventar uma vida plena. Escolhi tocar o barco, me deixar surpreender pela vida e encontrar, quando menos espero, o novo amor em todas suas acepções.

“O que me resta fazer?”, me pergunto.

Resta torcer para que meus antigos amores encontrem o que estão procurando. Que sejam felizes! Tomara!

Dorothee Rüdiger é psicanalista, Doutora em Direito pela Universidade de São Paulo