Por Jorge Forbes
O amor pede invenção e responsabilidade no que antes era tradição e disciplina
Há um novo amor no ar da pós-modernidade.
Nós, humanos, nos diferenciamos dos animais também pela multiplicidade de formas de amar que recobre a paisagem de cada época. Uma vaca não muda a maneira de amar e nem de se declarar. Dá para imaginar? Humanos, sim, a ponto de sabermos que o amor embalado pela bossa nova é diferente daquele do hard rock e que a musa dos menestréis, cheia de panos, não teria sido nenhuma garota de Ipanema de biquíni.
Nossa época se caracteriza por relações horizontais do laço social. Estamos em uma sociedade de rede, na qual as hierarquias foram achatadas e os padrões pulverizados. Não fazemos mais as coisas em nome de um bem maior ou supremo, mas porque queremos. Assim também é o amor atual.
Até bem pouco tempo, uma casal dizia que não se separava por algum motivo suplementar ao relacionamento amoroso em si. Ouvimos muito: – Só fico com você porque jurei ao seu pai em seu leito de morte que lhe cuidaria; – Só fico com você por causa de nossos filhos, não os quero ver em lares divididos; – Só fico com você, porque o que Deus uniu, que não separe o homem!; – Só fico com você por nossa vida econômica, social ou política. Em quaisquer desses exemplos tão comuns há sempre a presença de um terceiro – pai, filhos, Deus, dinheiro, patrimônio. Não é, ou não será mais assim.
O amor de hoje pede invenção e responsabilidade no que antes era tradição e disciplina. Se uma pessoa está com outra é – antes de qualquer nobre motivo – porque quer. Isso informa que não adianta se sentar para discutir relação; todos sabem que esse é o melhor caminho da discórdia. Não amamos alguém pelo que o outro pensa ser amado, e nem mesmo por aquilo que nós pensamos. Quem já não teve a experiência de encontrar um par perfeito em tudo salvo em um detalhe não tão pequeno: a falta do amor? E ter de se despedir com uma pena danada daquele que seria o amor ideal, quem?
Pais contam nos consultórios dos psicanalistas suas aflições frente a aparente superficialidade de seus filhos ficantes que distribuem beijos de boca em boca nas baladas eletrônicas. Calma. Essa moçada é também aquela que não fará concessão por amores arranjados e acomodados. O novo amor da pós-modernidade representa um novo tipo de humanismo, uma transcendência laica. Se não morremos mais por grandes causas, morremos por quem nos toca de perto, por quem divide nossa vida no impossível do vazio das grandes causas. Não se pergunta mais se você compreendeu o que eu disse, se pergunta: tá ligado? Esse “tá ligado?” quer saber se o que me toca, de alguma forma te toca, não no mesmo sentido que tem para mim, mas na mesma ligação compartida. Daí o novo amor pedir invenção, no que antes era significado pela tradição, e responsabilidade de um querer ético, onde antes estava a disciplina do comportamento moral.
Ouve-se a pergunta que não quer calar: E daí, melhorou o amor?
Ah, isso é coisa para cada um responder, tá ligado?
Jorge Forbes é psicanalista. Texto publicado originalmente na revista IstoÉ Gente, em dezembro de 2012