Por Helainy Andrade
Um analista pode dar o tom para que a pessoa afine seu canto
Um detalhe de uma entrevista, uma lição clínica. Manhã de segunda-feira, Centro de Estudos do Genoma Humano da USP, Dr. Jorge Forbes e Dra. Mayana Zatz encontravam pela segunda vez, um jovem de 19 anos. Quando do primeiro encontro, o paciente apresentava uma postura negativa em relação à doença. Não aderia aos tratamentos prescritos. Mostrava um embotamento afetivo e desinteresse nos estudos e demais atividades da vida. Passados dez meses de análise, em que foram trabalhadas questões ligadas à sua vida amorosa, seu corpo e sua sexualidade, o moço esbanjava estilo, postura e simpatia.
Primeiros dois minutos de conversa o analisando diz que estava estudando para o vestibular. Considera em tom descomprometido que era pouco tempo, em se tratando de curso tão concorrido. O analista quis saber detalhes do quanto era esse pouco. Uma vez por semana, respondeu o jovem. A conversa prosseguiu o suficiente para o moço, nada bobo, cair em si. Inteligente e sensível, ele começou a ouvir o canto desafinado de seu sintoma: quer passar no vestibular – estuda uma vez por semana. Envergonhado, tentou disfarçar seu constrangimento, mas foi traído pelo riso amarelo e a agitação das mãos e pernas.
A psicanálise não dispensa sutileza. É certo que, para pôr uma análise em curso, o analista tem de variar muito os seus recursos: ironia socrática, enigma, dureza, semblantes, chiste etc. É bonito de ver quando sua escala de tons inclui a elegância. E foi esse o caso.
Voltemos ao desconserto do moço. Ele ficou sem graça – e quem sabe também verá ficar sem graça sua procrastinação – precisamente pelo tom com que a curiosidade do analista o interrogou. A descrição do gesto do analista ficaremos devendo, mas aproximemos. Era um tom totalmente desvestido de qualquer censura, repreensão ou algo que o valha. Foi mais parecido com a espontaneidade infantil que não deixa passar batido, mas que tem interesse de saber daquilo que ela está vendo pela primeira vez e de como funciona. Apenas isso.
O caminho para a singularidade é a curiosidade pelo detalhe. Estudar um dia da semana para passar no vestibular é o que faz esse menino e outros tantos. A boca diz uma coisa e o pé faz outra. Genérico. É assim para todo mundo com seu amado sintoma. Agora, o que ele acessou quando caiu em si, isso é só dele. Um mestre diria o que ele tem de fazer para passar no vestibular e alcançar seu objetivo. Um analista, a partir da presença e escuta, evidencia o que e como ele faz. Possibilita assim à pessoa poder alcançar uma melhor sintonia com ela mesma e com seu desejo e os recursos subjetivos para sustentá-lo e inscrevê-lo no mundo.
Helainy Andrade é psicanalista em Varginha-MG e membro do Instituto da Psicanálise Lacaniana – IPLA-SP.