Por Ariel Bogochvol
A mais influente instituição de pesquisa em saúde mental do mundo decidiu reorientar seus investimentos em estudos sem levar o novo DSM como marco
O artigo “Transforming Diagnosis“, de Thomas Insel, diretor do National Institute of Mental Health (NIMH) dos EUA, a maior instituição de pesquisa em saúde mental do mundo, é explosivo. Divulgado às vésperas do lançamento do DSM V pela Associação Psiquiátrica Americana, faz um ataque frontal à classificação construída tão laboriosamente e, por extensão, contra a sua patrocinadora, a American Psychological Association, que anunciava triunfantemente a edição final do “futuro do diagnóstico psiquiátrico.” São esperados contra-ataques poderosos.
Para Insel, o DSM V, como os outros DSMs, é o melhor instrumento que existe para o diagnóstico e é confiável por ser partilhável pelos psiquiatras, mas carece de validade científica. A crítica se dirige aos fundamentos epistemológicos e aos resultados dos DSMs. As classificações baseadas estritamente em sintomas estão superadas há mais de 50 anos, por vários motivos: produzem monstruosidades como poli-diagnósticos, sua utilização como bíblia pelos psiquiatras promoveu uma esterilização das pesquisas e os pacientes merecem algo melhor.
Insel não é propriamente criativo em suas críticas (muitos já a haviam feito a partir das mesmas e de outras perspectivas, inclusive os psicanalistas), mas o lugar que ocupa na hierarquia dá à sua palavra uma importância especial. Ele decide, por exemplo, sobre os investimentos que o NIMH deverá realizar. E o Instituto decidiu reorientar o financiamento de suas pesquisas fora do marco do DSM, sem utilizar suas categorias, procurando criar um sistema mais adequado a partir de dados de genética, imagem, fisiologia e cognição, e não apenas de sintomas.
Sua posição expõe a fratura do mainstream psiquiátrico, revela o fracasso do paradigma atual e faz a aposta em um novo paradigma, mesmo conservando implicitamente o aforismo de que “a doença mental é uma doença do cérebro”, cunhado no século 19. O novo paradigma e a classificação orientada por este paradigma deverão ser construídos nos próximos anos. Como a viagem à Marte, é um sonho distante, mas deverá orientar as pesquisas desde já.
Saudamos o avanço da ciência contra o oceano de falsa ciência, mas não temos esperanças de que isso resulte em um maior diálogo com a psicanálise. O programa de pesquisa do INMH não contempla a psicanálise, não faz qualquer referência a ela, mas às neurociências, às ciências cognitivas, à genética. Por outro lado, como o sujeito da psicanálise é o sujeito da ciência, a psicanálise acompanha suas circunvoluções e o fracasso da ciência em suturá-lo. Há efeito-sujeito sob qualquer paradigma e independente do regime científico. Novas belas batalhas serão travadas, sem dúvida.
Ariel Bogochvol, psiquiatra e psicanalista, coordenador do NEPPSI – Núcleo de Pesquisas de Psicopatologia e Psicanálise do Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP, membro da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise