Trabalhar jogando 16/10/2014

Por João Francisco Rüdiger Verona

Se o mundo platônico era perfeito, nosso novo universo midiático, criado e armazenado a partir de bits, é uma versão imperfeita de nós mesmos

A Brasil Game Show, recentemente realizada em São Paulo foi, com mais de 80 expositores nacionais e internacionais, o maior evento do gênero da América Latina. Grandes eventos como esse, repletos de representantes das empresas gigantes transnacionais do ramo e da grande mídia acontecem todos os anos em diversos cantos do mundo, proporcionando um lugar para reunir e patrocinar campeonatos ao vivo. Participaram muitas das principais empresas de desenvolvimento e distribuição de games e outras que, de olho em um mercado cada vez mais crescente, vendem jogos ou têm produtos relacionados a eles. Não são raras as que oferecem patrocínio a times e jogadores, levando, dessa maneira, sua marca a um público sem fronteiras físicas.

Por milênios, a imaginação humana projetou uma diversidade de mundos para dar sentido aos próprios fenômenos da vida. Buscava no mito respostas para seus segredos criando universos fantásticos onde residiam seres superiores e poderosos semelhantes aos humanos em forma e temperamento. A filosofia grega desconstruiu os mitos. Usando a razão mais do que a emoção, os seres humanos puderam realizar projeções para dar cabo de explicar quem é o homem e por que existe. Platão foi criador de uma teoria que consiste, basicamente, em dizer que nós seres humanos somos cópias infiéis de um mundo formalmente perfeito ou, literalmente, ideal. Para o filósofo, quem tivesse a sorte de nascer com uma alma especial, dourada, e em condições de desenvolver seu intelecto podia alcançar esse mundo ideal.

Hoje, de certa maneira, estamos revivendo Platão! Criamos nossa própria versão invertida de seu mundo ideal, armazenada e espalhada por todo o globo e acessível não a poucos intelectuais agraciados pela sorte, mas sim a todos que tiverem um mínimo de recursos tecnológicos. A revolução da informação fez com que a internet, a princípio restrita e exclusiva, se popularizasse. Hoje, já não conseguimos imaginar como poderíamos viver sem ela. Se o mundo platônico era perfeito, nosso novo universo midiático, criado e armazenado a partir de bits, é uma versão imperfeita de nós mesmos.

A partir do desenvolvimento das tecnologias de aceleração gráfica somos capazes de aperfeiçoar esse novo mundo, dando formas cada vez mais reais a ele. A imperfeição tende a se reduzir. A realidade criada nos games está cada vez mais próxima da vida vivida. Só que, por mais que nós sejamos capazes de reproduzir a vida de maneira cada vez mais fidedigna nos jogos, a diferença entre a vida e sua representação não desaparecerá. Haverá sempre um resto, como diriam os psicanalistas, entre a vida como ela é e a sua representação no mundo virtual.

É esse universo de realidade virtual imperfeito que cada vez mais pessoas acessam. Criam personagens de si, avatares, adotam semblantes virtuais, estranhos. Nesse mundo estranho muitos enxergam uma oportunidade de integração humana. Jogando criam laços sociais, interagem, muitas vezes em escala mundial, pois o ato de jogar dá a possibilidade aos jogadores de se aproximarem, seja pela amizade, seja pela rivalidade. Chega um momento em que pessoas de carne e osso e seus avatares se mesclam. Reuniões de jogadores para, mais do que jogarem, se conhecerem fora da rede tornaram-se cada vez mais frequentes. Nas chamadas LAN parties, jogadores se reúnem, tomam cerveja, comem “besteiras” e jogam horas a fio.

Muitos jogadores estão, cada vez mais cedo, se profissionalizando. Não faltam a eles oportunidades como a da Brasil Game Show de jogarem em eventos presenciais com premiações em dinheiro real. Contam com os produtos criados por aqueles que criam jogos e seus diversos elementos a partir das ferramentas de desenvolvimento disponíveis no mercado dos softwares. Tanto os jovens jogadores profissionais, quanto os que inventam e desenvolvem os jogos estão vivendo num novo mundo, no qual a diversão virou trabalho, mas, em compensação, o trabalho virou diversão. E por que não?

João Francisco Rüdiger Verona, artista 3D, é apaixonado por jogos e sócio na empresa RuVe GameStudio.