Por Débora Spinelli e Claudia Riolfi
A Clínica do Real ensina formas mais inteligentes de lidar com a língua “dos opressores” do que se colocar fora do jogo
Escolas de idiomas vêm proliferando com o passar dos anos. Nas grandes cidades, como São Paulo, por exemplo, unidades se avizinham nas calçadas, prometendo aprendizagem da(s) língua(s) estrangeira(s) em tempo “record.” Inglês costuma ser o “idioma-chefe”, seguido pelo Espanhol, Francês, Italiano etc.
Desde 2011, são comuns que os jornais (em cadernos dedicados à área de educação ou não) tragam manchetes do tipo “de cada dez entrevistas de emprego, oito são feitas em inglês”. Neste contexto, algo é curioso: por que tanta gente não consegue aprender? Por que, entra ano, sai ano, entra matrícula, sai matrícula, e o nível de escrita não avança para além do sofrível?
No Livro 23 de seu Seminário, Lacan (1975) reflete a respeito do uso da língua estrangeira por James Joyce. Frisou o fato de que Joyce produziu algo de individual com a língua “dos invasores, dos opressores”. Referindo-se à obra Finnegans Wake, afirmou: “Ora, se não houvesse esse tipo de ortografia tão especial como o da língua inglesa, três quartos dos efeitos de Finnegans se perderiam” (p.162). Segundo Lacan, no progresso de certo modo contínuo que a arte de Joyce constituiu (seus primeiros ensaios críticos, depois em O retrato do artista qando jovem, em Ulisses, e em Finnegans Wake), é difícil não ver que uma certa relação com a fala lhe é cada vez mais imposta – “a saber, essa fala que, ao ser quebrada, desmantelada, acaba por ser escrita – a ponto de ele acabar por dissolver a própria linguagem […]” (cf. Lacan, op.cit., p.93)
Em Joyce, então, não se trata propriamente de se curvar à língua do outro, mas de fazê-la se curvar a ponto de se prestar a ser instrumento para a fabricação de seu estilo singular. E, se sua obra se lê, apesar de sua excentricidade, é porque há uma relação do autor com o joy, com o gozo, “tal como ele é escrito na lalíngua que é a inglesa (…)” (cf. Lacan, op.cit., p.162-163).
Posto isso, voltemos à nossa dúvida: por que nossos alunos de inglês dizem querer aprender a língua e não aprendem? Porque acreditam que a escolha de uma língua possa se dar de modo neutro ou burocrático. Ao invés de perceberem que cada nova língua a ser aprendida pode permitir ao sujeito um novo laço social no qual se engajar, aproveitando o ensejo para viver o infantil tudo de novo, eles deixam o joy, o prazer de viver do lado de fora da escola de línguas.
É pena. Mais valia que eles usassem o espaço da sala de aula para quebrar a língua do outro, para brincar toscamente, recebendo, por exemplo, uma colega atrasada que bate à porta com um ridículo “Between, my well” (trocadilho, inexistente em inglês para “Entre, meu bem”). Desse modo, não só o pragmatismo, mas também o enigma que consiste em “o que significa ser um ser falante, sexuado e mortal?”, poderia dar o tom do curso de línguas.
Aprender uma segunda língua a sério de mais só corrobora a fuga da angústia. O “elemento vivo”, que poderia fazer parte dessa nova brincadeira não se apresenta e a vida passa como se se resumisse a um estéril automatismo de repetição. Chega de ser “little cushion!”. “Now is that they are they!”.
Para saber mais:
LACAN, J. (1975-1976). O Seminário. Livro 23: O Sinthoma. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007.
RIOLFI, C. R. “Dos nomes da morte à certeza da angústia”, palestra integrante do Programa do IPLA de 2012, “enfim, a Psicanálise no Divã” – em 11/06/2012.
_____________ “Idioglossias partilhadas: carta de amor ao professores que ainda vai nascer”. Em Barzotto, V.H. & Riolfi, C.R. (orgs) Sem Choro nem Vela: carta aos professores que ainda vão nascer. Coletânea em andamento.
_____________. “O ensino de línguas estrangeiras: um exercício de leitura para além do método”, s/d, mimeo.t==fazenod isto neste exatto momento