Por Liége Lise
Uso da ritalina em crianças e jovens cresce 75% no Brasil. A medicalização é uma forma de controle silenciosa, perigosa, que atende a uma lógica inibidora que espera que a criança seja adaptada e que obedeça sem questionar
A manchete no jornal assustou, alguns dias atrás: cresceu 75% o uso de droga para a hiperatividade no Brasil, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A agência publicou um estudo que indica um aumento na prescrição para as crianças de seis a 16 anos – auge da idade escolar –, que usam o medicamento metilfenidato, popularmente conhecido como ritalina.
Crianças com sinais de desatenção, inquietude, impulsividade ou hiperatividade recebem comumente o diagnóstico de transtorno do déficit de atenção e/ou hiperatividade (TDAH). Elas são consideradas crianças avoadas ou que vivem no mundo da lua. Têm dificuldade em se manter quietas em uma sala de aula, causam preocupações a pais e professores. Qual seria a causa do problema? Genética? Biológica? Cultural? Será que a medicalização é a melhor forma de tratamento?
Todas essas questões são difíceis de responder. Mas está claro que há um descompasso entre a escola e a realidade atual. A revolução no campo do saber empreendida pela tecnologia exige uma mudança radical na concepção de ensino e nas formas de transmissão do conhecimento. A relação com o saber e a função do educador precisam ser reinventadas! O professor tem de ser um apaixonado pelo que transmite, e não apenas repassar “matéria” ao aluno. Ele precisa despertar o aluno para o conteúdo, e impulsionar o fascínio pela descoberta e pelo conhecimento. Colocando-se também numa postura de humildade, de quem tem muito a aprender com a geração digital que descobre o mundo com a palma da mão.
Os pais, por sua vez, em seu narcisismo, têm uma preocupação em relação ao desempenho escolar dos filhos: a competição desumana, o terror do vestibular e a pretensa “garantia “de um futuro profissional promissor. Nas suas vorazes expectativas, esquecem-se de lançar um olhar e uma escuta que privilegie os afetos, os gostos, as particularidades e o desejo da criança.
Do ponto de vista médico, vale destacar que uma boa avaliação inclui uma equipe multidisciplinar, com um neuropediatra experiente nestas questões. É preciso um cuidadoso atendimento clínico, com a realização de exames complementares e a discussão do caso por uma equipe. Um diagnóstico, às vezes, carece de mais de um atendimento, feito por mais de um profissional.
Há algo valioso na infância: o brincar, a liberdade criativa e a socialização, frutos do convívio e do encontro com outras crianças. Atividades que estão em desproporção à agenda atribulada de compromissos dos pequenos. Haja foco para tanto apelo de atenção e dedicação intelectual! A medicalização é uma forma de controle silenciosa, perigosa, que atende a uma lógica inibidora e espera que a criança seja “adaptável” e obedeça sem questionar, adequada à média e capaz de responder ao apelo alienado do “faça o que eu mando”. Cuidado.