Sobre o amor e outras criancices 18/06/2015

Por Renata Costa

Frente a reações tão doces, sinceras e, sobretudo, racionais, perguntamo-nos: Por que as crianças lidaram com a “saída do armário” de maneira tão mais natural que os adultos? 

Mais de 40 anos após a despatologização da homoafetividade, não é incomum ouvir relatos de pessoas que foram hostilizadas quando decidiram assumir sua orientação sexual. “Sair do armário” (anunciar publicamente a orientação sexual e/ ou identidade de gênero de alguém) ainda é uma decisão difícil. Para muitos, demanda coragem.

Para mostrar o quanto esse processo é delicado, o portal iGay pediu para os internautas que seguem a página contarem quais foram as frases que mais marcaram a sua “saída do armário”. A título de exemplo, vejamos algumas reações, transcritas tal qual colocadas pelos internautas. Elas evidenciam que, caso quem decidiu sair do armário ainda esteja muito ligado às expectativas do outro, tenderá a omitir sua orientação sexual de seus familiares, amigos, colegas de trabalho etc.:

– “Seria melhor se você não tivesse nascido”.

– “Preferia ter um filho bandido do que um filho veado”

– ” É modinha!”.

– “É culpa dos seus amigos. Pare de andar com aquele monte de veado e sapatão. A partir de hoje você não vai mais vê-los, vai pro psicólogo e pra Igreja”

– “Do que adianta ser tão inteligente, se vai morrer de AIDS?”

 – “Isso vai mudar. Vou levar você para um puteiro”.

A questão que se coloca frente a essas reações é: por que tanto preconceito ainda no século XXI? Por um lado, porque parece ser inevitável. Em entrevista concedida ao Jornal da Gazeta (https://www.youtube.com/watch?v=m4xYUdDPod8#t=41), Jorge Forbes explicou que dificilmente nossa sociedade ficará livre de preconceitos. De acordo com ele, ao invés de ver as mudanças sociais ocorridas nos últimos anos como possibilidades de nos tornamos responsáveis e mais felizes por nossas escolhas, assustamo-nos frente às mudanças.

Assim, muitas pessoas se acomodam em certos grupos nos quais o preconceito é um fator identitário, como uma maneira de protegerem-se e não serem responsáveis por suas escolhas e pelas consequências decorrentes delas.

Por outro lado, também há exemplos que nos mostram que deixar de ser escravo das expectativas é possível. Relato, na sequência, duas histórias que vão à contramão daquilo que estamos acostumados a ouvir.

Ciente do preconceito ainda latente em nossa sociedade, no que diz respeito à homoafetividade, um professor, identificado como R., decidiu contar para seus alunos que era gay. O fato foi noticiado pelo portal britânico Pink News, o qual não divulgou a escola onde se passou o ocorrido.

A decisão de revelar às crianças sua orientação sexual ocorreu durante a semana antibullying. Como parte das atividades relacionadas ao tema, ele perguntou aos alunos se eles já haviam ouvido o termo “gay” utilizado como um insulto. A classe inteira levantou as mãos. Chocado, o professor perguntou se as crianças achavam que ser gay ou lésbica era algo ruim ou errado: novamente, quase todos afirmaram que sim.

Após conversar com o diretor da escola a respeito da situação, eles concordaram em conversar com a turma acerca da orientação sexual do professor e, assim, mostrar às crianças que quando utilizavam o termo “gay”, estariam se referindo a ele.

De acordo com o professor R., a reação das crianças foi fantástica: alguns olhares chocados, perguntas básicas do tipo “Você tem um namorado?”, contudo, alguns minutos depois as crianças já haviam sossegado e o restante da aula transcorreu normalmente. Para coroar, alguns dias após revelar sua orientação sexual para seus alunos, R. recebeu essa linda carta de uma de suas alunas. 

“Querido Sr. R.

Apesar de você ser gay, eu sempre vou tratá-lo da mesma maneira que trato agora. Eu continuo pensando em você da mesma maneira que antes. Você é um ótimo professor e essas são apenas algumas das palavras que eu usaria para descrevê-lo: ótimo, maravilhoso, fantástico, brilhante, impressionante e corajoso.

Digo que você é corajoso porque compartilhou um segredo pessoal, o que foi muito corajoso.

Você não precisa ficar com medo, porque eu sei que todos da sala pensam da mesma maneira que eu.

De A.

PS. Nós todos estamos orgulhosos de você.”

Uma reação semelhante à da autora dessa carta ganhou as páginas do G1 no mês de abril: o post de Lucas Vasconcellos, 23 anos, relatando como revelou que era gay ao irmão de 8 anos.

“Hoje eu contei para o meu irmãozinho que eu era gay.

[…]

Dividi isso de maneira bem pedagógica, tentando criar uma analogia sobre as pessoas e suas cores favoritas. Dizendo que têm pessoas que gostam mais de preto, ou branco, ou azul, ou amarelo, ou vermelho; explicando sobre o quão legal isso fazia do mundo. Que todos podemos gostar de cores diferentes, e ainda assim sermos felizes e respeitados ao colorir nosso mundo com elas.

[…]

“Tu sabe o nome que se dá a quem gosta de pessoas iguais, John? Homens que gostam de outros homens, e mulheres que gostam de outras mulheres?”

Eu estava preparado para soltar a palavra “gay”, já na ponta da língua quando ele simplesmente me escancara a verdadeira resposta:

“Amor?”

Frente a reações tão doces, sinceras e, sobretudo, racionais, perguntamo-nos: Por que as crianças lidaram com a “saída do armário” de maneira tão mais natural que os adultos?

A psicanálise pode ajudar-nos a responder essa questão. Crescer implica um processo de adequação à vida em sociedade: aprender os costumes e regras morais da cultura em que se vive, obedecer às leis do seu país etc. Nesse processo, as regras morais transmitidas pela família, igreja, escola vão definindo os valores que o sujeito toma como verdadeiros para si.

As crianças ainda estão definindo os valores em que acreditam, portanto, estão muito mais abertas às mudanças. De maneira geral, veem as novidades sem medo, o que não implica, no entanto, que seus pontos de vista sejam irracionais ou impulsivos. Isso indica que as novas gerações parecem estar cada vez mais construindo uma ética própria. Aprendamos com elas.

Renata Costa é mestre em educação e pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa Produção Escrita e Psicanálise – GEPPEP, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, onde, atualmente, realiza sua pesquisa de doutorado.