Por Claudia Riolfi
Somos educados para que nos momentos de dificuldade possamos optar pela decisão correta. Mas fica a pergunta: será que estamos preparados?
Depois que a gente descobre o quanto é tonto, frágil e desamparado, a infância dura muito tempo. Perdidos na nossa insignificância, vergonhosamente aferrados na esperança de que ficaremos melhores quando formos adultos, parece que a hora de aguardar não termina nunca. É tão chato sermos dependentes. Horrivelmente constrangedor precisarmos de aprovação para cada um de nossos passos. Desagradável precisar do outro. A motivação para aprender muita coisa, inclusive, vem desta vontade de ser independente. “Vou me alfabetizar, nunca mais vou precisar pedir que leiam para mim!”, disse-me, revoltada, uma criança de cinco anos.
A gente se mata no banco da escola porque – finalmente, aleluia! – vai chegar a hora em que nós e nossa sabedoria andaremos impávidos pelo mundo, indiferentes às pessoas que chegam e que saem, livres do medo de ficarmos sozinhos no escuro sem ninguém para segurar nossa mão. Ficaremos maduros. Apoiados em nosso longo percurso de escolarização, enfrentaremos os problemas com sabedoria e desapego. Só que não. Para quem circula nas rodas onde os currículos são impressionantemente grandes, não faltam exemplos para comprovar que nada é mais falso do que isso. Infelizmente, podem parecer fofoca intelectual, então, limito-me a duas menções, para dar o sabor.
Doutora Maria se queixava que doutor João não tinha interesse em suas ideias. Ia às suas palestras porque era falso. Quando interrogado, ele era incapaz de dar mostras de ter entendido uma única palavra. Ela se sentia intelectualmente desprezada. Doutor João, por sua vez, acha a voz dela tão linda, que quando quer se informar a respeito de suas elaborações, deve ler os textos. Mal ela começa a falar, ele entra em órbita. Aquilo, literalmente, é música para seus ouvidos. Evidentemente, seu maior medo era ficar surdo.
Doutor José é conhecido por ser irritadiço e, muitas vezes, beirar à rudeza. Para ele, não existem nem “mas”, nem “porém”, nem “talvez”. Tudo tem que ser como ele quer e na hora que bem entende. Aparentemente, pensa que nasceu para ser obedecido. A brincadeira corrente é que ele tem “Síndrome de Tassi”, isto é, de quem “Tá si (se) achando”. Ele não precisa de ninguém. Ocorre que, um dia, quando a doutora Joana teve um acidente e se atrasou para uma reunião de Conselho de Departamento, coisa que nunca acontecia, doutor José foi, literal e surpreendentemente chegou às lágrimas. Sentou-se e murmurou algo como: “Estou acabado”.
Ué? João e José não tinham crescido? Não tinham passado suas vidas correndo atrás da razão? Para que tantos títulos se não conseguiam se portar como “verdadeiros adultos” na presença das colegas do sexo oposto? Calma, meninos! Desde 1972 Jaques Lacan descreveu a situação de vocês quando utilizou a expressão “novo amor” a partir da poesia “Para uma Razão”, de Arthur Rimbaud.
O título original em francês (À une raison) não deixa engano: o eu lírico, no caso, crianças que se dirigem à musa, não louvam a racionalidade, a razão, mas, sim, se dirigem às possibilidades inéditas de recrutar os homens e de colocá-los em marcha. Não querem se ver prisioneiras dos discursos totalizantes que teimam em fechar questões antes do início a uma nova harmonia. “Muda nossos destinos”, elas imploram ao novo amor.
Posto isso, façamos umas contas. 1) Lacan coloca o novo amor além da racionalidade. 2) Escola é lugar de racionalidade. 3) Então, a escola não é lugar de amor. Certo? 4) Os Josés e os Joões da vida deveriam ter mais juízo e deixar de ser tontos. Certo? Certo. Só que não.
Maria e Joana, uma com a voz, outra com sua graça, dão sentido ao sentido da vida desses senhores que, de certo modo, ao continuar vivos lhe rendem homenagens. “Um toque de teu dedo no tambor desencadeia todos os sons”, cantam, com Rimbaud, os amantes às suas amadas. Não é para todas gerar um efeito desses. Provavelmente, Maria e Joana aprenderam o que deveriam fazer na escola, certo? Certo. Só que não.
Claudia Riolfi é psicanalista e cursou pós-doutorado em Linguística na Université Paris 8 Vincennes-Saint-Denis. Professora na Faculdade de Educação na Universidade de São Paulo. Diretora Geral do IPLA.