Situações da clínica “psi” 6 18/12/2014

Por François Leguil

O cerne da clínica não é de ordem epistêmica, mas ética

Aqueles que se dedicaram ao estudo histórico da clínica das coisas mentais preocuparam-se com a história das classificações que se opuseram ou que se sucederam. Não parecemos ter mudado muito: propor uma nova entidade ou contestá-la; aceitar tal taxonomia ou recusar tal outra. Não percebemos que, na sequência das épocas que formaram nossos sistemas, não podemos reconstituir uma história das classificações, porque são as classificações que fazem essa história.

O importante não é saber “fazer um diagnóstico”, como se ensina aos jovens estudantes na Faculdade, mas saber o que fazer com um diagnóstico; o importante é podermos prestar contas de nossa ação, demonstrando que nossa suposição nosológica esclarece, melhor que outra qualquer, nossa apresentação. O cerne da clínica não é de ordem epistêmica, mas ética. Ética não no sentido de um ideal institucionalizado, como o dos “Comitês de ética” que, há quinze anos, Jacques-Alain Miller e Eric Laurent estudaram para explicar que é assim que escondemos de nós mesmos que “o Outro não existe”.

Queremos falar de um cerne ético quase no sentido em que, na esteira de um Brentano ou de um Husserl, no início do século passado, em seu famoso O formalismo na ética e a ética material dos valores, um Max Scheler hierarquiza e relativiza os valores de conduta.

Pode-se imaginar que Lacan não faz diferente: evocando seus antecedentes, ele sabe prestar homenagem a Kraeplin, no qual o gênio da clínica era levado até o mais alto ponto. Contudo, nada há de comum entre as construções psiquiátricas deste último e a prática do autor dos Escritos.

Quer nos tornemos nominalistas, quer nos pretendamos realistas, contrariamente aos diagnósticos que a ciência confirmou na medicina, os nossos não passam de semblantes. As disputas recentes entre a APA (Associação Americana de Psiquiatria) e o NIMH (Instituto Nacional de Saúde Mental) em nada mudam isso.

O psicanalista sabe que, se quiser alçar o que ele tem que saber e fazer saber à altura do real impossível de suportar por aqueles que se dirigem a ele, só poderá fazê-lo situando-se (segundo uma recente fórmula explorada por Jacques-Alain Miller) para além da clínica. Na sétima e última crônica dedicada a esse tema, sustentaremos que Freud não procederia de modo diferente.

François Leguil, de formação psiquiátrica, exerce a psicanálise em Paris. É membro da l’Ecole de la Cause freudienne (ECF), da Escola Brasileira de Psicanálise (EBP) e da Associação Mundial de Psicanálise (AMP).

Tradução de Alain Mouzat