Por François Leguil
Que laços unem hoje a psiquiatria e a psicanálise?
Por que ainda interessar-se pelos laços entre a psiquiatria e a psicanálise? Esses laços mereciam ser estudados em uma época em que a consistência dos dois discursos permitia distingui-los sem isolá-los um do outro. Havia a possibilidade de pensar o seu confronto, tendo como benefício saber o que era a psiquiatria a partir do que a psicanálise queria ser. Podia-se então opor a realidade de uma às aspirações da outra.
Essa época acabou em meados do século passado. Ora, há quase cinquenta anos, em 1967, Jacques Lacan dirigia-se a jovens médicos e observava que a psicanálise lhes servia às vezes de pretexto para não aprender o ofício de psiquiatra e não assumir seus encargos concretos.
No mesmo movimento, e de maneira paradoxal, profetizava a reabsorção da psiquiatria, anunciando que ela iria em breve “incorporar-se à medicina geral”, em razão do que ele chamava de “dinamismo farmacêutico”, da pesquisa química e da indústria dos grandes laboratórios de medicamentos.
Vemos o que havia de profético nessa advertência. Não se trata de incensá-lo, mas de mostrar que seu valor reside em seu realismo, em seu materialismo. Lacan não anuncia o fim da psiquiatria, sua reabsorção na medicina geral, por prever fissuras no edifício de um aparato de conhecimentos fadado à falência, uma crise epistêmica, um progresso das descobertas científicas, uma caducidade que teria como causa o nascimento de conceitos mais operatórios. Afinal, a história da psiquiatria é uma sucessão de radicais reviravoltas teóricas. Alguém acaso se lembra da craniologia, velha de dois séculos, daquela frenologia há muito ridiculizada e de seu autor Franz Joseph Gall, totalmente esquecido? O imenso Hegel, contudo, tinha-o em alta conta…
Lacan anuncia o fim de uma distinção que permitia separar a psiquiatria do resto da medicina, baseando-se não na previsão de uma crise no saber, nem tampouco pressentindo um acontecimento de natureza política. Falando de “dinamismo farmacêutico”, ele evoca motivos antes de tudo econômicos, comerciais e industriais. Quando ele prevê que o capitalismo fará com que a autonomia da disciplina psiquiátrica desapareça, prevê também que as paixões da pesquisa se curvarão diante das necessidades sociais, se o desejo que sustenta um dever de verdade não estiver firmemente decidido.
François Leguil, de formação psiquiátrica, exerce a psicanálise em Paris. É membro da l’Ecole de la Cause freudienne (ECF), da Escola Brasileira de Psicanálise (EBP) e da Associação Mundial de Psicanálise (AMP).
Tradução de Alain Mouzat.
Veja o texto original em francês:
Situations de la clinique « psy » 4
Pourquoi s’intéresser encore aux liens entre la psychiatrie et la psychanalyse ? Ces liens méritaient d’être étudiés à une époque où la consistance des deux discours permettait de les distinguer sans les renvoyer dos à dos. Il y avait la possibilité de penser à leur confrontation et d’en tirer un bénéfice de savoir ce qu’était la psychiatrie à partir de ce que la psychanalyse voulait être. On pouvait alors opposer la réalité de l’une avec les aspirations de l’autre.
Cette époque s’est achevée au milieu du siècle dernier. Ors, il y a presque cinquante années, en 1967, Jacques Lacan s’adressait à de jeunes médecins et remarquait que la psychanalyse leur servait parfois de prétexte pour ne pas apprendre le métier de psychiatre et pour ne pas en assumer la charge concrète.
Dans le même élan, et d’une manière paradoxale, il prophétisait la résorption de la psychiatrie en annonçant qu’elle allait bientôt « rentrer dans la médecine générale » en raison de ce qu’il nommait « le dynamisme pharmaceutique » de la recherche chimique et de l’industrie des grands laboratoires médicamenteux.
Nous voyons ce qu’avait de prophétique cet avertissement. Il ne s’agit pas de le vanter, mais de montrer que sa valeur tient à son réalisme, à son matérialisme . Lacan n’annonce pas la fin de la psychiatrie, sa résorption dans la médecine générale, parce qu’il prévoit des craquements dans l’édifice d’un appareil de connaissances promis à la faillite, une crise épistémique, un progrès des découvertes scientifiques, une caducité due à la naissance de concepts plus opératoires. Après tout, l’histoire de la psychiatrie est une succession de retournements théoriques complets. Se souvient-on de la craniologie, vieille de deux siècles, cette phrénologie depuis longtemps ridiculisée et de son auteur Franz Joseph Gall, totalement oublié ? L’immense Hegel, pourtant en faisait grand cas…
Lacan annonce la fin d’une distinction qui permettait de séparer la psychiatrie du reste de la médecine, en se fondant non sur la prévision d’une crise dans le savoir, ni non plus en pressentant un événement de nature politique. En parlant de « dynamisme pharmaceutique », il évoque plutôt des motifs économiques, commerciaux et industriels. Lorsqu’il prévoit que le capitalisme fera disparaître l’autonomie de la discipline psychiatrique, il prévient aussi bien que les passions de la recherche plieront devant les nécessités sociales, si le désir qui soutient un devoir de vérité n’est pas fermement décidé.
François Leguil , de formation psychiatrique, exerce la psychanalyse à Paris. Il est membre de l’Ecole de la Cause freudienne (ECF) , de l’Ecole brésilienne de psychanalyse (EBP) et de l’Association Mondiale de Psychanalyse (AMP).