Por François Leguil
A fórmula “doença mental” é mais discriminante que (a palavra) loucura. A medicina é em si mesma um agente estigmatizante em potencial.
Porque “o perfil epistemológico da psiquiatria é baixo e porque a prática psiquiátrica está ligada a toda uma série de instituições, de exigências econômicas imediatas, de urgências políticas de regulações sociais”, escrevia Michel Foucault no final dos anos 1970, o estudo de seu percurso permite deslindar “o emaranhado dos efeitos de poder e de saber”. Diferentemente de outras áreas em que a ciência intervém, a dos sofrimentos mentais e morais não se beneficia dos progressos de uma racionalidade que permitiria constatar que os fenômenos de segregação e de estigmatização que sempre a acompanharam estariam diminuindo.
Há pouco tempo, um conselheiro francês da OMS, a Organização Mundial da Saúde, divulgava um estudo nova-iorquino realizado a partir de uma pesquisa de opinião que interrogou por duas vezes, com um intervalo dez anos, uma grande amostra da população sobre sua concepção da “patologia mental”. Em meados dos anos 1990 e dez anos depois, três perguntas eram feitas a respeito das esquizofrenias, das depressões severas e do alcoolismo. O questionário era o seguinte:
- A origem neurológica desses distúrbios já está esclarecida?
- Você acha que as “doenças mentais” têm cura?
- Você aceitaria ter, em seu dia a dia, um doente mental entre seus contatos próximos ou na sua vizinhança?
De uma década a outra, os números negativos aumentaram em 15%, indicando que a tolerância social diminuiu em igual proporção. Esses resultados mostram que a hipótese de uma causalidade orgânica acentua a rejeição da população, que só retém, do sofrimento mental, os aspectos da desinserção e da violência. Esses resultados eram inesperados, mas não são contudo paradoxais. O psiquiatra da OMS comentava-os assim: “o discurso neurobiológico científico estigmatiza mais que os outros… A fórmula “doença mental” é mais discriminante que (a palavra) loucura. A medicina é em si mesma um agente estigmatizante em potencial.
À frente de seu tempo, Lacan já alertava que o discurso da ciência jamais modificaria de fato o discurso do mestre. Para a clínica analítica que sempre teve que marcar sua identidade frente à psiquiatria, o horizonte implicado pela escolha do discurso que lhe convém é ao mesmo tempo simples e temível: é aquele de uma prática que não se presta ao risco contínuo das segregações modernas, porque conhece-lhes a razão profunda.
François Leguil, de formação psiquiátrica, exerce a psicanálise em Paris. É membro da l’Ecole de la Cause freudienne (ECF), da Escola Brasileira de Psicanálise (EBP) e da Associação Mundial de Psicanálise (AMP).
Tradução de Alain Mouzat