Por François Leguil
Queremos fazer de nossa presença efetiva no coração do debate democrático a mais urgente de nossas causas
Em um elogio a Homero, Paul Claudel, de quem Jacques Lacan gostava e que gostava do Brasil, zombava daqueles «monstros que se servem unicamente dos olhos para ver».
As denúncias contra a clínica clássica ocuparam a segunda metade do último século; contudo, essas compreensíveis polêmicas fracassaram. Os acusadores da medicina mental, os chamados “anti-psiquiatras”, consideravam que era preciso perseguir e abolir todos os privilégios do olhar na construção de nossos saberes. Após a «vitória» das classificações internacionais contemporâneas, quer dizer, com a vaga aberrante de uma medicalização de nossos sentimentos, de nossas escolhas, de nossos pensamentos, esses acusadores de ontem não fazem hoje figura de “tosquiadores tosquiados”?
Não, seria injuriar demasiado aquilo que os motivava, a vontade de combater a arbitrariedade injusta dos ensinamentos acadêmicos aliciados pelo poder por sua capacidade de ignorar o valor objetivo de uma singularidade individual e o rigor intelectual em um domínio que escapa às medidas pré-fixadas. Os revoltosos de ontem se equivocavam quando julgavam que bastava recusar a herança da psiquiatria secular. Tinham razão, contudo, em um ponto: sua ação e sua reflexão lutavam contra todas as formas de segregação.
Parente do angelismo, seu erro consistia em não perceber o que, respondendo a Jacques-Alain Miller que o interrogava na televisão francesa, Jacques Lacan já anunciava: reforçamos aquilo que denunciamos se não nos damos conta de que nossa tarefa não consiste em melhorar os dispositivos que organizam as práticas sociais; ela consiste em tomar seriamente essas práticas como pretexto para mudar de discurso. Porque vemos que a psicanálise está, quase sozinha, à altura das exigências das transformações políticas que a ciência induz pela profusão de suas técnicas – profusão nociva de um lado, benéfica de outro -, queremos fazer de nossa presença efetiva no coração do debate democrático a mais urgente de nossas causas.
As recentes desventuras da quinta versão do famoso DSM da APA, American Psychiatric Association, mostram que ela passará, um dia, como um exemplo de tato e de ponderação frente ao que propõem aqueles que reduzem o ser humano à química do cérebro, clamando à terra inteira que os deuses da ciência estão em seu campo.
François Leguil, de formação psiquiátrica, exerce a psicanálise em Paris. É membro da l’Ecole de la Cause freudienne (ECF), da Escola Brasileira de Psicanálise (EBP) e da Associação Mundial de Psicanálise (AMP).
Tradução de Alain Mouzat.
Veja o texto original em francês:
Situations de la clinique « psy » 2
Dans un éloge d’Homère, Paul Claudel, qui aimait le Brésil, et que Jacques Lacan aimait, se moquait de « ces monstres qui ne se servent pas d’autre chose que de leurs yeux pour voir ».
Les dénonciations de la clinique classique ont occupé la seconde moitié du siècle dernier; ces polémiques compréhensibles ont pourtant échoué. Les accusateurs de la médecine mentale que l’on appelait « antipsychiatres » considéraient qu’il fallait traquer et abolir tous les privilèges du regard dans la construction de nos savoirs. Après la “victoire” des classifications internationales contemporaines, c’est-à-dire avec la vague aberrante d’une médicalisation de nos sentiments, de nos choix, de nos pensées et passions, ces accusateurs d’hier ne font-ils pas figure aujourd’hui “d’arroseurs arrosés” ?
Non, ce serait faire trop injure à ce qui les motivait, à la volonté de combattre l’arbitraire injuste des enseignements académiques enrôlés par les pouvoirs pour leur capacité d’ignorer la valeur objective d’une singularité individuelle et la rigueur intellectuelle en un domaine qui échappe aux mesures pré-fixées. Les révoltés d’ hier s’égaraient lorsqu’ils jugeaient qu’il suffisait de récuser l’héritage de la psychiatrie séculaire. Ils avaient raison, pourtant, sur un point: leur action et leur réflexion luttaient contre toute forme de ségrégation.
Parente de l’angélisme, leur erreur était de ne pas saisir ce que, répondant à Jacques-Alain Miller qui l’interrogeait à la télévision française, Jacques Lacan annonçait déjà : on renforce ce que l’on dénonce, si l’on ne conçoit pas que notre tâche n’est pas d’améliorer les dispositifs qui organisent les pratiques sociales: elle est de prendre sérieusement prétexte de ces pratiques pour changer de discours. Parce que nous voyons que la psychanalyse se tient, presque seule, à la hauteur des exigences des transformations politiques que la science induit par la profusion de ses techniques – profusion fâcheuse d’un côté, bienfaitrice de l’autre – , nous voulons faire de notre présence effective au coeur du débat démocratique la plus urgente de nos causes.
Les mésaventures récentes de la cinquième version du fameux DSM de l’APA, American Psychiatric Association montrent qu’elle passera un jour prochain pour un parangon de tact et de pondération au regard de ce que mettent en place ceux qui réduisent l’être humain à la chimie du cerveau, en prétendant à la terre entière que les dieux de la science sont dans leur camp.
François Leguil , de formation psychiatrique, exerce la psychanalyse à Paris. Il est membre de l’Ecole de la Cause freudienne (ECF) , de l’Ecole brésilienne de psychanalyse (EBP) et de l’Association Mondiale de Psychanalyse (AMP).