Por Teresa Genesini
O artista plástico Nelson Screnci fala sobre a pintura, vida e psicanálise: “Só a arte é capaz de tornar a vida menos árdua”
Artista plástico premiado, professor de História da Arte e de Artes Visuais na Faculdade, autor de centenas de trabalhos que fazem parte de acervos relevantes e cobiçados. Mas é como “pintor”, simplesmente, que Nelson Screnci melhor se define. “Minha linguagem preferida é a pintura. Gosto muito também do desenho. E aprecio também as outras modalidades, como a escultura, a fotografia, a música e o cinema. O cinema, sem dúvida, é a grande arte do Século XX, pois reúne todas as outras em um só corpo expressivo”, disse o artista à Teresa Genesini, em entrevista a O Mundo Visto pela Psicanálise.
Screnci dará ao público oportunidade de debater sua obra em palestra no IPLA, dia 30 de abril, terça-feira. Memória, imaginação, repetição e analogias criam um repertório poético e pictórico do autor. Leia mais na entrevista abaixo.
Teresa Genesini – O que faz sua cabeça? O divã?
Nelson Screnci – O divã só faz a minha cabeça se à sua frente houver uma pintura. Qualquer uma, de qualquer qualidade e fatura. Só então sou capaz de “viajar” e “analisar” cada detalhe da imagem e pensar como poderia refazer tudo aquilo me fosse dada tal oportunidade.
Por outro lado, o divã me fascina. A sua presença em qualquer ambiente sugere um lugar de repouso, reflexão e – por que não? – reencontro. Acredito que se não me ocupasse da pintura, seria um assíduo frequentador de divãs… Indo mais longe, chego a pensar que o trabalho de criação e todos os passos que o envolvem me salvaram da monotonia da realidade. Não vejo sentindo nenhum numa vida sem arte.
TG- Fale mais sobre sua visão de arte.
NS – A arte pode estar na mente, no quadro, e até no divã. Mas para mim, é o que faz o ser humano sonhar e o transporta para novas possibilidades de viver com mais prazer. Só a arte é capaz de tornar a vida menos árdua. E isto serve para qualquer pessoa, independentemente de origem, formação ou cultura. É claro que a sua fruição torna-se mais profunda ou sofisticada na mesma medida em que são ampliadas as referências e o conhecimento de suas modalidades.
TG – Por que “metamorfoses”? Seria uma repetição que leva à invenção?
NS – As transformações surgem a partir do que se apresenta igual. A invenção seria o grau de alterações sofridas durante o processo de mutação de um modelo único. Só a arte pode materializar o que a imaginação duplica. Sabe-se que não existem duas coisas exatamente iguais na natureza. Portanto, mesmo no que parece idêntico, há sempre uma partícula que, por mais ínfima que seja, é um indicador de diferenciação. As metamorfoses representadas por desenhos induzem necessariamente o pensamento às comparações e analogias. Utilizá-las como elementos compositivos é propor a articulação desse jogo em função do aparecimento de novos significados para imagens já conhecidas.
TG – Comente seu livro “Decálogo de um Pintor”, de 2010.
NS – O “Decálogo de um Pintor” surgiu da necessidade de fazer uma reflexão sobre um longo período de trabalho. É o resumo de uma atividade que exerço há mais de 30 anos de forma contínua, porém nem sempre linear. O texto comenta algumas passagens biográficas que remetem às obras produzidas e tem o objetivo de orientar e estimular os jovens artistas e professores de artes visuais.
TG – Você é artista plástico, professor de artes visuais e de História da Arte. Como você se define?
NS – Eu me defino como artista plástico, ou melhor, como simplesmente um “pintor”. As atividades de professor de Artes Visuais e História da Arte estão intrinsecamente ligadas ao exercício da pintura e lhe são, de certa forma, complementares. Portanto, a obra é o ponto de convergência de todas as outras ocupações que exerci ou venha a exercer.
TG – O que você espera com sua arte? Que consequência?
NS – Eu espero provocar nas pessoas o aparecimento dos seus melhores sonhos.
TG – Algum contato com a psicanálise? Como você vê a relação psicanálise e arte?
NS – As relações que existem entre arte e psicanálise são as mesmas que poderiam existir entre ciência e arte. Ambas tratam da subjetividade do ser humano, com propósitos, métodos e enfoque muito diferentes. Eu não me arriscaria a falar mais sobre um assunto complexo como a psicanálise, sobre o qual possuo apenas noções rudimentares. Mas admiro sua ação de tentar salvar pessoas retirando-as dos mundos infernais de sofrimento a que estamos, todos, de uma forma ou de outra, sujeitos.
TG – Como é, em termos de sua arte, viver entre a montanha, São Bento do Sapucaí, e a metrópole, São Paulo?
NS – É meio mágico. Eu vejo o interior como um ambiente de fantasia. Um mundo que admirava à distância por sua misteriosa proximidade com a natureza. As montanhas da Serra da Mantiqueira que cercam a pequena São Bento são de uma beleza exuberante! São paisagens inspiradoras para qualquer artista que se proponha a contemplá-las. Por outro lado, o provincianismo dos habitantes também é grande. Sinto saudades de São Paulo por sua riqueza de opções culturais, infelizmente muito desvalorizadas e depreciadas em cidades muito pequenas. As “pracinhas” com cinema ou teatro já fazem parte de um passado que não conheci, pois nasci na mesma década da televisão no Brasil. Resta tentar imaginar o que teria sido em outros tempos. E é também função da arte suprir com a imaginação e poesia certas lacunas de memória.
TG – Qual é a forma da arte em um mundo que anda a passos tão rápidos? Ela consegue responder em tempo aos anseios humanos e sociais?
NS – O mundo é acelerado nos grandes centros. Aqui, entre as montanhas, tudo é muito mais lento. Inclusive há tempo para demoradas leituras. Pena que não há museus de arte. Mas a internet vem suprindo essa carência, quando se tem preparo e interesse para acessá-la.
A arte pode assumir diversas formas, mas não evolui como a ciência, progressivamente. Isto porque a arte, além da manifestação de ideias, trata dos sentimentos e emoções humanas que, ao que tudo indica, mudaram muito pouco desde a pré-história…Não se mede a evolução da arte por meio de progressos tecnológicos. Os meios de expressão podem estar cada vez mais sofisticados, mas continuam servindo essencialmente para a mesma finalidade ancestral de representar a subjetividade humana em toda sua rica complexidade.
TG – A linguagem pop e influenciada pela cultura de massa é uma referência do seu trabalho. Como essas características dialogam com a singularidade, o individual, o artesanal, tão indispensáveis na psicanálise?
NS – Em todos os meus trabalhos a referência à linguagem pop é extremamente crítica. Trata-se de uma admiração por uma visualidade que se tornou nova utilizando-se de meios antigos, mas que não nasceu como um elogio à cultura de massa. Pelo contrário, é uma proposta para reflexão sobre o lado mais nocivo e mecanicista de uma nova maneira de viver proposta em meados do século passado, voltada essencialmente ao consumismo e à vulgarização dos bens culturais.
TG – A arte é terapêutica? É mais terapêutica para o artista ou para quem frui dela?
NS – A arte é terapêutica quando utilizada como tal. A arte-terapia já é uma disciplina independente da criação artística em si. Sua finalidade determina os meios a serem empregados, e não o contrário. A prática artística mais autêntica só se consuma plenamente quando a experimentação leva a resultados surpreendentes.
Não acredito que o simples fruir de uma obra artística seja por si só uma terapia. Pode ser complementar. Mas a arte não possui uma finalidade única. As razões de sua existência fogem até de quem a pratica e, principalmente, de quem se propõe a refletir sobre elas e encontrar uma resposta única.
Teresa Genesini é psicanalista, mestre em estatística pela UNICAMP e pesquisadora do Projeto Análise