Por Edione de Castro Sousa
Edione de Castro Sousa contou em um livro, sua experiência como paciente da Clínica de Psicanálise do Centro do Genoma Humano – USP/IPLA.
Katya teve que se arrastar por mais de 15 degraus para entrar em um avião da GOL, no aeroporto de Foz do Iguaçu. O local não disponibilizava de equipamentos para fazer o transporte adequado de cadeirantes e a moça se recusou a ser carregada no colo. Esse fato foi narrado em uma reportagem publicada no dia 2 de dezembro de 2014, pelo jornal Folha de S.Paulo, intitulada: “Cadeirante se arrasta na escada de embarque da GOL para entrar em avião”. Como não queria receber um tratamento indigno, a moça optou por subir as escadas com a força dos braços.
Como tenho uma doença degenerativa, a experiência vivida por Katya não me é desconhecida. Só para dar um exemplo, posso citar um momento quando eu, meu esposo, meu irmão (que, como eu, é cadeirante) e a minha cunhada estávamos indo para Fortaleza. No aeroporto de Guarulhos, dois rapazes trouxeram cadeiras de rodas para nos conduzir até a nave. O problema é que como não havia carro adaptado para transportar cadeiras de rodas, ficamos esperando por uma hora e meia. O sol estava especialmente quente naquele dia. A prioridade para pessoas idosas, gestantes, mulheres com crianças e deficientes foi solenemente ignorada.
Quando, ainda mais tarde, chegou mais um ônibus sem o elevador, a paciência de meu marido tinha acabado. Falou para um funcionário da GOL que iríamos naquele de qualquer modo. Ele respondeu:
– Não, senhor, é impossível. Como vamos subir com eles? – apontando para mim e meu irmão.
Meu marido nem respondeu: colocou-me nas costas para entrarmos no ônibus. Os passageiros olharam para nós dois sem entender nada. Eu pedi que me colocasse no chão. Sentia-me uma metade de um boi no ombro de um açougueiro. Com o ridículo da cena, eu ria de raiva e de vergonha. Algumas pessoas vieram ao nosso encontro para ajudar. Meu marido pediu que auxiliassem no transporte de meu irmão. Do ônibus, cada um de nós foi carregado para o avião do mesmo modo. Mal sabíamos nós que a história se repetiria na volta a São Paulo.
Na ocasião, fui orientada pela comissária de bordo para fazer uma reclamação no balcão da GOL ou, até mesmo, para abrir um processo contra a empresa. Deixando-me levar pela inércia, não fiz nem uma coisa nem outra. Ao ler a história de Katya, repensei minha posição: será que se eu tivesse me posicionado, não teria evitado a reincidência desse tipo de ocorrido para ela e para mim mesma em um futuro próximo?
Se a empresa não estava preparada para nos tratar como pessoas “normais”, por que vendeu as passagens? Por que, naquela ocasião, eu “deixei para lá”? Muitas vezes, nos omitimos porque não estamos preparados para aceitar as nossas próprias limitações. Acabamos exigindo do outro algo que nós mesmos não temos: a aceitação de nossa fragilidade. Nos calamos julgando que, caso não toquemos no assunto, ele vai desaparecer sozinho.
Então, para todos aqueles que, eventualmente, estejam enfrentando a mesma dúvida, e, talvez, se protegendo em uma posição de vítima, fica uma pergunta: Aquele que se deixa maltratar é mesmo inocente?
Edione de Castro Sousa é cearense e tem 50 anos. Escritora, é autora do livro “Serelepe”, publicado pela editora InHouse.