Shine, will you? 14/08/2013

Por Claudia Riolfi

Mais vale ser reconhecido pelo outro e levar uma vida genérica ou abrir mão disso e inventar um modo singular de viver?

Ainda dá tempo de assistir a versão original (e legendada) de “Billy Elliot, o Musical”, no Credicard Hall até 18 de agosto. Com músicas de Elton John, livro e letra de Lee Hall, direção de Stephen Daldry e coreografia de Peter Darling, parece que todos na montagem deram seu melhor para cumprir o conselho dado pela professora de ballet Sandra Wilkinson (interpretada por Janet Dickinson): “All you really have to do is shine”.

Todo mundo sabe, mas não custa lembrar. O protagonista, Billy Elliot (interpretado pelo absurdamente talentoso Drew Minard), dá o mote para um tratamento sensível de uma questão que é o pão nosso de cada dia para o psicanalista: mais vale ser reconhecido pelo outro e levar uma vida genérica ou abrir mão disso e inventar um modo singular de viver? Na direção de discutir o que deve ser uma formação que leve em conta a psicanálise, vamos levá-la ao interior da escola.

Billy precisou escolher entre ser mineiro e boxeador (como os homens de sua família) ou estudar ballet. Foi difícil. Ao escolher a segunda opção, teve de superar os limites do treinamento oferecido em uma pobre escola de bairro para passar na prova de admissão na prestigiada Royal Academy of Dance, em Londres. Aí entrou o trabalho de Mrs. Wilkinson.

Que professora maravilhosa! Paradigma do que um docente deve ser, Sandra inclui Billy em um programa de formacriação, palavra forjada para aglutinar duas instâncias: a da formação e a da criatividade. Enquanto a primeira implica uma parcela de “domesticação” dos modos de satisfação de uma pessoa para que ela possa fazer o esforço necessário para subordinar seu modo de se relacionar com a chamada realidade empírica ao conhecimento articulado acumulado em seu tempo, a segunda, por sua vez, aponta para um furo no referido conhecimento que, inexorável, exige que a pessoa em formação se ponha a trabalhar para tornar o que sabe à altura dos problemas do seu tempo.

Formacriação nomeia o drama de todos que querem se habilitar para seguir uma profissão. Se, por um lado, a pessoa precisa sofrer certa formatação, deve ser enquadrada em determinado discurso que, certamente, o assujeita (levando-o a reproduzi-lo), por outro lado, precisa inventar modos de superar os sintomas que o assujeitamento porta em seu bojo. Precisa se autorizar a invenção de um estilo próprio.

Billy Elliot o faz com maestria. Enfrenta sem reclamar a pesada disciplina dos exercícios de ballet (e, aí, não tem o que fazer para cortar atalho) e, para além disso, cria um modo de dançar único, impressionante. Não se pode falar que ele imitou Sandra Wilkins, mesmo porque ela não tinha metade do seu talento. A ela, restou se orgulhar e curtir o prazer de ser uma excelente professora.

Para nós, Sandra Wilkins é o paradigma da professora do século XXI. Resta saber o quanto cada um de nós consegue honrá-la fora do palco. Will you?

Claudia Riolfi é psicanalista, cursou pós-doutorado em Linguística na Université Paris 8 Vincennes-Saint-Denis. Professora na Faculdade de Educação na Universidade de São Paulo. Diretora Geral do IPLA