Por Maralice de Souza Neves
A intimidade de alguém não tem nada a ver com a imagem que pode ser capturada por uma câmera fotográfica
Dia 21/11, a Carta Capital interpretou o suicídio de jovens. Afirmou: “Está virando rotina: mais uma adolescente se matou por não suportar a humilhação após o vazamento de foto íntima”. O assunto também chamou atenção da Revista Época. Seria factível ter tanta certeza dessa causalidade? Aos fatos. Trata-se do caso de duas adolescentes, Giana,16 anos e Júlia, 17, que tiveram imagens sensuais (ou seminuas, ou fazendo sexo) expostas na internet por pessoas nas quais, aparentemente, confiavam. Em busca do culpado, a mídia afirma que elas se mataram por não suportarem os efeitos que a exposição lhes causou. Não entraremos nessa linha de argumentação, mas, conscientes de que o vazamento de informações nas redes sociais é inevitável, exploraremos uma pergunta: face a isso, o que ensinar às meninas de hoje?
Em primeiro lugar, que a intimidade de alguém não tem nada a ver com a imagem que pode ser capturada por uma câmera fotográfica. O ponto de vergonha não tem apreensão imagética. É o ponto de basta de cada ser. Em segundo lugar, que é mesmo importante ter algo em nome do que morrer. Entretanto, se matar por honra é diferente de passar ao ato.
Em 2012, no nº 9 de O Mundo. Visto pela psicanálise, comentamos o suicídio da enfermeira Jacintha Saldanha. Trata-se de um exemplo que ajuda essa diferenciação. Ela não se matou por ter sido exposta, mas, sim, por não suportar a vergonha de deixar vazar informações a respeito do bebê da princesa Kate Middleteton na Inglaterra. Ao dar-se conta do tamanho de seu erro, escolheu morrer sem que fosse possível buscar culpados entre terceiros. A questão era dela com ela mesma.
Pobres meninas! Acabaram vitimizadas pela vergonha superegoica. Vítimas do desregramento sem limites, elas foram tomadas pelo gozo de se expor cada vez mais no jogo da sedução ou da prova de confiança. Passaram a praticar o sexting (ato de enviar imagens sensuais, em lugar de textos, através de celulares) sem medir a dimensão coletiva que esse ato pode atingir hoje em dia. Com relação à sexualidade, foram inconsequentes, talvez nem tanto pelo registro das imagens, mas, quem sabe, pela péssima escolha de parceiros.
Mais do que nunca, a educação do século XXI se vê convocada a encontrar modos de ensinar homens e mulheres a tomar posse, de modo responsável, do corpo próprio. Ao fazê-lo, poderiam se ver livres da necessidade de se fazer objeto de um olhar anônimo frente ao qual, mais tarde, se deixam cair. Uma mulher que tem um corpo não precisa fazer tudo como “manda o script”. O importante é que possa dar consequência às suas ações.
Maralice de Souza Neves é professora na Faculdade de Letras da UFMG e membro do corpo de formação do IPLA