Por Dorothee Rüdiger
O desejo foge da lei feito diabo da cruz. Não se deixa capturar, nem enclausurar.
Pombinhos apaixonados de todos os gêneros, orientações sexuais e estados civis, cuidem-se! Corre nas redes sociais e na imprensa que haveria um projeto lei na Câmara dos Deputados que pode acabar com a fornicação nos motéis Brasil afora. Se a lei for realmente aprovada, casais que não estiverem com a certidão de casamento em punho na hora de entrarem nos hotéis destinados para a hora do amor carnal correrão o risco de serem barrados. Nada de sexo sem a bênção do Estado e do sacerdote! Será?
Sem dúvida há dentre nossos legisladores pensadores higienistas. Para esses, só há uma maneira correta de se viver a sexualidade: entre homem e mulher e de aliança no dedo. Nessa visão, sexo serve para a reprodução. Gera a prole. É saudável, relaxa e contribui para a harmonia entre o casal. Fora do padrão familiar, sexo é, no mínimo, pecado. Não somente afronta a moral e os bons costumes como promove a prostituição, a promiscuidade, causa doenças venéreas e gravidez indesejável. A luxúria é perigosa e merece ser combatida pela lei!
Há quem pense assim no século XXI, apesar de nossa Constituição Federal reconhecer qualquer laço afetivo como válido diante da lei. Se para nossa lei maior “qualquer maneira de amar vale a pena”, como canta Milton Nascimento, por que então há quem não ature sexo fora do casamento ao ponto de querer enquadrá-lo nos rigores da lei?
Para Jacques Lacan, “o direito estreita o gozo”. Em qualquer civilização os limites da lei podem obrigar o casal a apertar-se. Não somente na cama de solteiro, onde mal cabe um, que dirá caberem dois, ou ainda no banco traseiro do carro. A civilização estabelece regras a seguir que nos protegem e limitam. Age sobre nosso corpo natural e nos torna seres falantes e desejantes. No entanto, cada civilização tem suas regras a seguir. A lei, a moral e os bons costumes, de algumas décadas para cá, mudaram. Gozamos, ao menos no Ocidente, de mais liberdade sexual. Ninguém fica com seu par “porque prometeu para o pai da moça que assim seja”, diz Jorge Forbes. Diante das múltiplas possibilidades de escolhas de parceiros durante a vida, há quem se apavore. Adere a ideias higienistas, religiosas ou não, que pretendem prescrever a maneira certa e mais saudável de amar.
Ocorre que a civilização com suas leis e seus costumes gera o desejo. E esse foge da lei feito diabo da cruz. Não se deixa capturar e enclausurar. Arromba as portas do inconsciente e se manifesta, se podemos assim parafrasear Sigmund Freud, como um hóspede mal comportado que colocamos no olho da rua. É pecador por excelência. Provoca os casais a procurarem um lugar para se esconder, seja na moita, seja no banco traseiro do carro, seja no motel. E haja lei higienista capaz de impedir que façam bom proveito.
Dorothee Rüdiger é psicanalista e doutora em Direito pela Universidade de São Paulo