"Seu time agora é VFC – Você Futebol Clube" 19/06/2013

Por Helainy Andrade

Num mercado clandestino, tudo tem um preço, desde a troca da idade, até resultados positivos em exames médicos que jamais aconteceram

Junho de 2013, às vésperas da Copa do Mundo no Brasil, Copa das Confederações em andamento. Curiosidade: o Brasil foi o país campeão da primeira copa, em 1997, na Arábia Saudita. Daí, venceu outras duas vezes e por isso é o que mais venceu esse torneio. Mas não é muito promissor que continue tendo esses bons resultados. Não que lhe faltem talentos, mas vai faltar, ao menos é o que deduzimos a partir de um documentário que traz à tona o que tem se passado no que é chamado Os Porões do Futebol. A frase que intitula esse artigo é parte do que um agente pode dizer a um aspirante a jogador de futebol. E ele continua: “a partir de agora você não torce mais pra time nenhum, isso tudo é circo, ninguém quer saber de bola”. Caramba! Nem precisa ser bom entendedor do esporte para ficar arrepiado com uma notícia dessas. A coisa vem sendo investigada há algum tempo pela Polícia Federal e, no último dia 13 de junho – Santo Antônio! – foi veiculada em canal aberto de televisão.

É triste, mas sendo assim, o Brasil não é mais o país do futebol, ao menos não o futebol arte que impressionava o mundo. Agora, futebol é negócio, e pior, do tipo escuso, onde um agente pode garantir que talento, ou melhor dizendo, a falta dele, não será impedimento para ninguém entrar em clube como profissional. É só pagar! Mas é pagar literalmente, não naquele sentido de se esforçar, praticar e se superar. É pagar com dinheiro mesmo. Dez mil, oitenta mil, ou mais, conforme o lugar onde se quer entrar. E ele, o agente, te faz ter 23 anos quando você já tem 31, te estica de 1,68m para 1,75m e, é claro, não precisa de teste médico. Aí é como naquela gracinha em que um diz para o outro que pode cair, que do chão não passa, ou seja, pode entrar em campo tendo condições para isso ou não, o máximo que pode acontecer é morrer em pleno jogo, como infelizmente já assistimos em 2006. Mas, se acontecer coisa parecida, já não é mais com o agente, ele fez sua parte no trato.

E por falar em parte no trato, e o mocinho que decide vender seu sonho e entra nessa jogada, mascarado? Quando algo sai errado, denuncia o agente, se sentindo prejudicado e até mesmo enganado. Mas num caso desses, até quando dá tudo certo, não há aí um engano? Estou pensando na seguinte consideração: até que ponto podemos ir para ter o que queremos. É sempre que podemos jogar o jogo que está aí? Se ponho a venda meu sonho, o que me resta na vida? Pelo que vou viver? Tudo é negociável? Não acho que possa ser.

É fácil ficarmos irritados com o agente leviano que dá sua contribuição para minar o espetáculo do futebol já reduzido às quatro linhas do gramado. Como negócio essa arte fica com os dias contados. Mas e o pretendente, é apenas um menino inocente e sonhador? Ao menos para Freud, e quem o conhece, não o seria. Freud nos ensina que temos nossa parte na desordem da qual nos queixamos. Lacan, que de nossa posição de sujeito somos sempre responsáveis e Forbes, que honra é algo sem o que a vida perde seu valor. Acho que esse “Porões do Futebol” nos põe em contato com o que a psicanálise nos ensina de que há um mais além onde não devemos ir, sob pena de nos perder de nós mesmos.

Helainy Andrade é psicanalista em Varginha-MG e pesquisadora na Clínica de Psicanálise do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP