Sessão com Tia Vanessa 02/10/2014

Por Dorothee Rüdiger

Sobre o mais recente filme de Woody Allen Magia ao luar, em cartaz em São Paulo.

Quem me dera ser uma psicanalista como Tia Vanessa! O que ela tem a ensinar não está escrito em nenhum manual de psicanálise. Seu savoir faire nos é apresentado numa cena deliciosa que compõe o mais recente filme de Woody Allen Magia ao luar, em cartaz em São Paulo. Vale a pena assisti-lo para aprender com Tia Vanessa como se faz para deslocar um neurótico obsessivo da rota de fuga do desejo.

A estória romântica que envolve o mágico Stanley e a vidente Sophie é ambientada na Europa dos anos 20. Reinam o Jazz e o Charleston nas festas frequentadas por gente modernosa. Divertem-se, passeiam de carro conversível e tentam, como podem, compreender o mundo a partir das evidências. Se bem que só o tentam, pois por detrás das evidências há mistérios. Há um mundo invisível que intriga. A psicanálise acabara de nascer.

Stanley, o mágico, não acredita em magia. Apresenta seus truques milimetricamente calculados. Está para se casar com uma mulher que combina direitinho com seu jeito agnóstico de ser. Conhecendo os truques da magia, propõe-se a desmascarar quem quer que não se enquadre no mundo onde tudo tem sua explicação.

Mas, no meio do caminho conhece Sophie. Feminina e sedutora, a jovem tem o dom da mediunidade. “Rabish!”, diz Stanley na tentativa de desmascarar, na visão dele, a charlatã. Obviamente, essa empreitada não é tão fácil assim e Stanley acaba por cair na cilada que tinha preparado para pegar a moça no flagra. E, claro, cai também de quatro pelos encantos dela.

De repente, quem estava acostumado a andar na linha do óbvio, comprovável e visível dá os seus tropeços. Tomado pela paixão, tenta obsessivamente controlar os sentimentos desprezando a mulher. “Você não pensou sinceramente que eu estivesse apaixonado? Você deve estar enganada, confundindo amor com amizade.” O público ri e com razão. Quem não conhece as tentativas neuróticas obsessivas de fugir do desejo feito diabo da cruz?

No entanto, Stanley tem sorte e uma Tia Vanessa. Essa tia, que mora no Sul da França, é quem  o cura de suas dores no corpo e na alma. A personagem colocaria qualquer psicanalista no chinelo. A cena, na qual tem uma conversa nada séria com seu sobrinho Stanley, confuso pelos encontros e desencontros com Sophie, lembra uma sessão de análise lacaniana. Titia faz um tremendo de um semblante, empresta consequência ao que Stanley diz, e, ao final do encontro, consegue inocular a dúvida em quem, antes, vivia de certezas.

Mas, engana-se quem pensa que depois disso vem o tão famoso final feliz. Afinal, Sophie, a vidente, não é tão lunática assim ao ponto de responder às investidas de Stanley. Prefere render-se às cantadas um tanto quanto torpes de outro pretendente.  Deixa Stanley, o cético, abobado. Despido, finalmente de toda razão, o mágico acaba por entregar-se à magia do luar.

Dorothee Rüdiger é psicanalista e doutora em Direito pela Universidade de São Paulo