Serelepe, uma história singular 01/11/2012

Em livro autobiográfico, autora acometida por distrofia muscular narra suas vidas de infância e mostra como encontrou uma forma singular de encarar uma doença degenerativa, com o auxílio da psicanálise de orientação lacaniana

Prefácio de Jorge Forbes

Este é um livro de alguém tocada em sua singularidade.

Logo no início, a autora relata o seu primeiro encontro com um psicanalista – esse que vos escreve. Destaca o que mais lhe marcou nesse encontro e que, desde então, não lhe sai da cabeça: o pastel. Foi assim, segundo ela, que surgiu o pastel na sua vida, quando  Edione contava, na consulta inicial, seu sonho em fazer uma faculdade:

        – “Qual? (Perguntou-lhe o analista).
        – Direito, ou psicologia.
        – Como você está estudando?
        – Sozinha.
        – É pouco. Tem que haver outro meio, a concorrência é muito grande.
        – Eu estudo bastante.
        – É pouco. Você vai ter que ganhar de um chinês que frita um pastel com uma mão e lê um livro com a outra.”

Ela ficou muito irritada com essa intervenção, quis fritar o analista como a um pastel, mas recuou, pensando: – “E se ele estiver certo?”. E quem mais poderia lhe responder dessa certeza, se não ela mesma? Não conseguiu mais se safar do chinês.

Todos nós temos um chinês atrás da gente. Pode também ser um japonês, como Chico Buarque pôs na letra de sua música:“Tem um japonês atrás de mim”. Chinês ou japonês, o que eles representam é aquela coisa diferente da gente: que nos impacta, e que, no entanto, somos nós mesmos. Freud nomeou esse personagem de “O estranho”. Todos nós carregamos um estranho amor, uma estranha sensação que nos ultrapassa, um certo “mais forte que eu” que nos incomoda e nos atiça pedindo resposta.

Ao escutar sobre o chinês que frita pastel e lê, Edione se viu confrontada às exigências do desejo. Não é suficiente uma pessoa enunciar seu desejo disso ou daquilo, há que se responsabilizar pelo que se deseja; é aí onde tudo complica.

A psicanálise pôs consequência no desejo da Edione, como bem atesta esse livro. Lemos aqui uma porção de fatos singulares de uma vida singular, a dela. Esse livro nos atrai por duas razões: uma, pela delícia que é acompanhar as peripécias bem contadas de Edione-Serelepe; outra, pelo fato que ao nos defrontarmos com os detalhes de uma vida, somos nós, seus leitores, remetidos aos detalhes das nossa vidas. É quando Edione, de paciente, passa a um quê de psicanalista.

Recomendo você começar a ler Edione-chinesa já, antes de virar pastel!

Delicie-se, com ela e com você.