Por Gisele Vitória
O bloco europeu sofreu o seu maior abalo e foi mergulhado em incertezas. O Reino Unido corre o risco de desunir
Ser ou não ser não é mais a questão. A escolha da maioria está posta. Mas, para entender o que se passa, algumas palavras imortais, e tão atuais, do mais ilustre dos cidadãos britânicos talvez ajudem a elucidar o momento de crise existencial da Grã-Bretanha. Tempo dos 400 anos da morte de William Shakespeare, 2016 também fica marcado como o ano do Brexit, a saída do Reino Unido da União Européia.
Para abrandar a perplexidade, é conveniente começar com Hamlet, na voz experiente do personagem Polônio, alto dignitário da corte do príncipe da Dinamarca: “É verdade que está louco. É verdade que isto é uma pena. É uma pena que seja verdade. Resta agora procurar a causa deste efeito, ou deste defeito, pois até um efeito defeituoso precisa ter uma causa.”
Parece loucura, mas foi uma decisão histórica. O resultado de um plebiscito derrubou o premiê David Cameron e as Bolsas de Valores do mundo. O bloco europeu sofreu o seu maior abalo e foi mergulhado em incertezas. O Reino Unido corre o risco de desunir. A capital Londres, cuja maioria desejava a permanência na UE, parece agora estar mais distante do resto da Inglaterra. Poucos esperavam o Brexit, ou a contração real das palavras Exit (saída) e Britânica.
No divã shakespeariano, nossos corpos são nossos jardins, cujos jardineiros são nossas vontades. Assim está profetizado em Othello, “de modo que se quisermos plantar urtiga e semear alface, deixar hissopo ou arrancar tomilho, provê-los apenas de determinada espécie de erva ou enchê-los de muitas variedades, esterilizá-los pela preguiça ou cultivá-los pelo trabalho.” Por trás de uma decisão de caráter econômico, assombra o fantasma da xenofobia. Assombra o desejo de se fechar num casulo onde as fronteiras são ainda mais fechadas.
Numa perspectiva histórica, talvez também valha relembrar as palavras de Macbeth, em seu lampejo de lucidez em meio à loucura em que mergulhara. Ao saber da morte de Lady Macbeth, o rei constata: “A vida nada mais é do que uma sombra, um pobre ator que se pavoneia no palco, e então não é mais ouvido.” Na sequência, Macbeth decreta: A vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, que significa nada”.
Ou, se a comédia cai melhor que a tragédia, mais do cidadão William Shakespeare, morto em 1616, em As Alegres Comadres de Windsor: “Devemos aceitar o que é impossível deixar de acontecer”. Ser ou não ser, eis que… não é mais a questão.
Gisele Vitória é diretora de núcleo da Editora Três e colunista da Revista IstoÉ
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.