Sem sentido, com direção 30/06/2013

Por Claudia Riolfi

Pesquisadores de universidades brasileiras, em Angola durante o mês de julho, buscam direções para um país que ainda não aprendeu a desaprender a agonia

A Folha de S.Paulo noticiou, recentemente, que o Brasil financiará a melhoria de ensino superior na África. Consta do texto que vinte universidades nacionais, entre elas a Universidade de São Paulo (USP), enviaria docentes para instituições de cinco países daquele continente. Interrogado, Clélio Campolina, presidente da Associação das Universidades de Língua Portuguesa, avaliou que os dois lados ganham, pois enquanto as escolas africanas melhoram suas atividades, o Brasil amplia sua possibilidade de pesquisas e estreita laços com países onde há interesse comercial.

Quando li essa notícia, eu e mais dezesseis pessoas, de quatro universidades diferentes, já estávamos, há algum tempo, com nossas passagens compradas para Angola. Com 18 milhões de pessoas, esse país tem como língua oficial o português. As línguas nativas, entretanto, costumam ser: umbundo, kimbundo, kikongo, tchokwe, ibinda e cuanhama.

Assim, os professores de suas 18 províncias (Bengo, Benguela, Bié, Cabinda, Cuando Cubango, Kwanza-Norte, Kwanza-Sul, Cunene, Huambo, Huíla, Luanda, Lunda-Norte, Lunda-Sul, Malange, Moxico, Namibe, Uíge e Zaire) enfrentam decisões delicadas para organizar o cotidiano escolar. Essas decisões têm resultado em taxas alarmantes de analfabetismo (25% para homens e 75% para mulheres), em um país com mortalidade infantil e expectativa de vida semelhante à do século XVI nos países europeus (38 anos e meio). Nesse contexto, o que, de fato, é chamado de língua portuguesa?

Durante o mês de julho, a equipe, formada multidisciplinarmente, está em campo participando do projeto “Município do Libolo, Kwanza Sul, Angola: aspectos linguístico-educacionais, histórico-culturais, antropológicos e socioidentitários”. Nossa mola propulsora é a curiosidade. Como se configuram os fenômenos linguajgeiros – que, para o psicanalista, são o pão nosso de cada dia – para as pessoas que vivem em um local onde existem sérias dificuldades de determinar as línguas majoritariamente praticadas? Como compreender um contexto que, aparentemente, parece não ter sofrido os efeitos da globalização e parece ter mantido, praticamente inalterado, um animismo que lembra aquele descrito nos textos freudianos?

Desconhecendo a resposta para todas essas questões, solicitei que António Lobo Antunes interpretasse Angola com seu romance Os cus de Judas. “Uma dolorosa aprendizagem da agonia” – assim qualifica Antunes seu dilaceramento frente à sangrenta guerra civil de Angola. Quase como se nos mostrasse um ponto de virada entre uma lógica moderna e a atual, António leva o leitor a montar um enredo no qual homens partiram para uma guerra que não reconheciam como sua, sofreram-na desesperadamente e, praticamente, nunca puderam superar o remorso pela violência praticada em nome de um conceito de pátria duvidoso. O genial do romance é mostrar que, se por um lado a guerra perturbou empiricamente, seu fim perturba psiquicamente – como suportar ter feito o que não se via sentido ao fazer?

Por enquanto, Os cus de Judas é o que nos basta. Não acreditamos que será possível encontrar um sentido único para congregar os professores angolanos – e nem vemos vantagens nisso. Mas, se pudermos tocar cada qual a ponto de, como o personagem de Antunes, poder encontrar uma direção frente às contingências inesperadas, abra-se, aí, um prognóstico muito promissor. Essa é a nossa aposta.

Claudia Riolfi é psicanalista e cursou pós-doutorado em Linguística na Université Paris 8 Vincennes-Saint-Denis. Professora na Faculdade de Educação na Universidade de São Paulo. Diretora Geral do IPLA