Sem efeito moral 15/03/2013

Por Dorothee Rüdiger

Contra a Comissão da Verdade, bomba de efeito moral explodiu na sede da OAB do RJ, com o recado: “deixem o passado em paz”. Assumido por um “militar da reserva”, atentado busca sepultar uma ação que permite a tomada de consciência da sociedade civil sobre os fatos do passado
Uma bomba explodiu na sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro, com o objetivo de intimidar as pessoas que estavam no prédio na tarde do dia 7 de março.  Junto com a bomba, o recado: “Deixem o passado em paz!”.  
A OAB é uma das organizações da sociedade civil brasileira que apoia e integra a Comissão da Verdade. A comissão, como diz a lei, foi criada para examinar e esclarecer graves violações de direitos humanos ocorridas durante o período entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. A finalidade da comissão é, com seus hearings, “efetivar o direito à memória e à verdade histórica, e promover a reconciliação nacional”.  Ouvir, esclarecer, informar e ajudar a sepultar os mortos do regime militar são as tarefas dos membros da omissão que representam a sociedade civil brasileira.  Pretende-se, em outras palavras, chegar à verdade e, com isso, pacificar a sociedade.
Como psicanalista, sei a importância de colocar em palavras o indizível, e o quanto é necessário enterrar os mortos colocando uma pedra sobre o passado. No entanto, sei também que a verdade é uma construção em torno de algo que permanece indecifrável, indizível, angustiante. Há diferentes versões da verdade. Cada um cria a sua e por ela torna-se responsável.  Porque, então, não deixar o passado em paz e aceitar o pacto político que levou à Lei da Anistia em 1979? A sociedade civil brasileira da época não lutou pela anistia, pelo “esquecimento” daquilo que ocorreu durante a ditadura militar? Não conseguiu com isso a desejada “volta do irmão do Henfil”, como dizia a música O bêbado e o equilibrista, cantada por Elis Regina? 
Alemã que sou, quero lembrar, aqui, os Processos de Nuremberg.  Nascida após a Segunda Guerra Mundial, nunca me conformei com o fato de terem sido os Aliados (Estados Unidos, França, Reino Unido e União Soviética) e, mais tarde, os norte-americanos, a julgarem os alemães considerados os principais responsáveis vivos pelos crimes cometidos contra a humanidade durante o regime nazista.  Os outros responsáveis, dentre eles o próprio Führer, escaparam do Tribunal Internacional. Tiveram a covardia de se matar para não se responsabilizar.  Os juízes internacionais de Nuremberg apenaram os responsáveis pelos crimes que cometeram.  E deixaram para os jovens alemães a questão: por que não tinham sido eles, os próprios cidadãos alemães, a investigarem e julgarem esses senhores sobre a  vida e da morte de milhões de pessoas? Vindo “dos outros”, o julgamento dos principais responsáveis pelos crimes da ditadura alemã foi, assim, percebido como sendo expressão da moral. Até hoje, as questões ligadas ao nazismo suscitam ou culpa ou a denegação da história.
Instaurando a Comissão da Verdade, a sociedade brasileira colocou-se numa posição diferente: na postura ética (e não moral) diante do passado.  Deu-se a chance de conhecer, embora somente até certo ponto, os fatos que ocorreram, e, de responsabilizarem-se diante dos mais jovens.  A comissão não irá julgar e punir, mas nomear fatos e, como diz a lei, “promover a reconciliação nacional”.  Embora não se saiba se isso é realmente possível, a tomada de atitude é um ato responsável.  E contra essa atitude, a moral, mesmo em forma de bomba, não tem qualquer efeito.