Sem conflito 29/06/2013

Por Claudia Riolfi

O conflito das gerações pode ser coisa do passado para quem assume a excentricidade do seu desejo e banca ficar junto para além das palavras de ordem

Filhos adolescentes gostam de rock. Filhos adolescentes frequentam shows espremidos no meio de multidões. Por este motivo, filhos adolescentes estão expostos a muitos tipos de valores, inclusive aqueles que a família condena. Isso tudo é senso comum. O que, talvez, seja um pouco insólito é que, por algum estranho “acaso” musical, as bandas prediletas dos filhos sejam também as da mãe e, por este motivo, pais e filhos acabem, juntos, curtindo indie rock, no Memorial da América Latina, na 17ª Edição do Cultura Inglesa Festival. Será que dá certo uma coisa dessas? Ou, no meio do show, o famoso “conflito das gerações” seria inevitável?

Paguei pra ver. Metaforicamente, já que o festival era gratuito, com previsão de receber 25 mil pessoas. Desejávamos ver duas das atrações: o quarteto The Magic Numbers e a banda de meninas de Kate Nash, previstas para finalizar o dia. Formada por dois pares de irmãos e irmãs, a primeira banda, que começou a carreira em Londres, em 2002, faz um som que vibra e coloca o corpo para vibrar. Com senso de humor seco e comportamento engajado – mal chegou ao Brasil e Kate já estava nos protestos na Avenida Paulista –, a cantora e compositora inglesa ganha admiração crescente ao fazer declarações tais como “O mundo precisa de mulheres firmes, que lutem por si mesmas”.

Seria possível enxergar alguma coisa no meio da multidão? Iríamos juntos e ficaríamos juntos? Ou quem conseguisse chegar mais perto que fosse? Resolvi me permitir ser surpreendida. Entramos. O casal gay, barbado e abraçado, trocava beijos na boca. O casal de meninas, loiras, lindas e diáfanas, acendeu um baseado, mas o apagou após umas duas tragadas cada uma. O rapaz solitário amarrou uma bexiga vermelha no alargador de sua orelha direita. Universitários uniformizados cantavam, com boa pronúncia, todas as letras. Um pai colocou a filhinha no ombro. Casais sorriam, de mãos dadas. Ao verem meu filho de doze anos, muitos ofereceram: quer ir mais para frente? Assim, quinze minutos depois de chegar, estávamos muito, muito perto do palco.

Mapeando. Na frente, um grupo de australianos. À direita, de Uspianos. Atrás, punks de carteirinha, nordestinos pelo sotaque. À esquerda, portugueses e ingleses, sotaques de diferentes regiões destes países. De bebida, só rolou muita água. Nada de tabaco, sem traço de drogas. Ninguém se mexia muito. Cada um na sua.

Cada um na sua? Tranquila com as cercanias, comecei a dançar com a filha de 17. Contagiamos! Pouco a pouco, todo nosso “quadrante” pulava loucamente. No intervalo dos shows, quando coloquei o caçula para descansar sentado em meus pés, umas doze pessoas sentaram também. Laura decretou: “Isso virou o cantinho da Claudia”. Então, começaram os presentinhos: botons de lapela, que as pessoas tiravam das próprias roupas e nos estendiam, sem uma única palavra. Foram aceitos, também de forma muda.

Na saída, até tentei conversar a respeito do show. Ficou para o dia seguinte. Os meninos disseram: “melhor a gente ficar um pouco só com as lembranças”. Respeitei. Já pensou gerar uma briga por divergência de opinião? Melhor deixar cada geração com sua própria música.

Claudia Riolfi é mãe da Laura e do Domenico. Psicanalista, cursou pós-doutorado em Linguística na Université Paris 8 Vincennes-Saint-Denis. Professora na Faculdade de Educação na Universidade de São Paulo. Diretora Geral do IPLA