Por Dorothee Rüdiger
A invenção dos Gladiadores do Altar pela Igreja Universal assusta pela sua proximidade com cenas divulgadas pelo autoprocalamdo Estado Islâmico
Um vídeo que está há alguns dias circulando pelas redes sociais na internet está “causando” entre os internautas. Gravado durante uma cerimônia religiosa na Igreja Universal do Reino de Deus em Fortaleza, no Ceará, mostra a consagração de um grupo de jovens como Gladiadores do Altar.
Jovens, fortes e decididos, os Gladiadores do Altar desfilam pelo templo da Igreja Universal do Reino de Deus esbanjando virilidade diante de uma plateia fascinada. Celulares garantem que a imagem do desfile militar, cuidadosamente coreografado, seja guardada no álbum da família e nos arquivos da instituição. Os guerreiros de Deus são chamados para defenderem o que julgam ser a verdade certeira e universal, no caso, a doutrina defendida pela sua Igreja. No ritual que lembra um desfile militar, prometem, de braços erguidos, fidelidade à causa de defender o altar custe o custar. São chamados para erradicar os inimigos da fé única e juram que o farão.
A proximidade do rito de consagração dos Gladiadores do Altar realizado em Fortaleza e em outras cidades brasileiras com as cenas divulgadas pelo autoproclamado Estado Islâmico salta aos olhos. Assusta pelo fundamentalismo que não só não permite divergências e insuficiências humanas, como promete erradicá-las com a espada, sem dó nem piedade. Alvo são os outros, os que incomodam, os infiéis. E quem não incomoda?
Como psicanalistas, podemos nos perguntar, por que há tanto fascínio por essa cena na Igreja Universal? Podemos indagar, por que tantos jovens ocidentais aderem à causa do Estado Islâmico?
Propostas totalitárias seduzem. Não somente porque tapam o mal-estar da civilização com suas promessas de soluções definitivas operadas por líderes que são figuras paternas. Seu sucesso não reside só no desejo de encontrar respostas simples para as crises nas religiões fundamentalistas, sejam cristãs, islâmicas ou de outra vertente da fé. Representam não somente as facetas simbólicas das manifestações totalitárias e mortíferas. A sedução dessas propostas passa pela estética. É uma sedução libidinosa, como constatou, nos anos 30 do século passado, o psicanalista alemão Wilhelm Reich. Os nazistas eram grandes mestres na encenação de sua verdade única, pretendiam-na espalhar pelo mundo com seus militantes e soldados jovens, bonitos e viris. O culto ao corpo perfeito, o jogo de luzes, os uniformes e a coreografia da saudação nazista bem ensaiada faziam parte de um espetáculo a provocar entusiasmo e temor.
Os Gladiadores do Altar não estão longe disso, quando imitam até a maneira de erguer os braços direitos para saudar o altar com o dedo em indicador. Estão, como já se comentou nas redes sociais, a três dedos de distância do nazismo. Os familiares que os assistem durante a cerimônia emocionam-se pelo espetáculo de ver um filho seu fazendo parte da corporação que, por hora, exibe as armas estampadas nas costas das camisetas que compõem os uniformes. Arma em punho ou não, o recado está dado sobre o que se pretende fazer com os infiéis.
Para a psicanálise, o cenário do fundamentalismo representa um desafio. Não se trata ir na contramão do Triunfo da Religião, que Jacque Lacan vaticinava. Trata-se de semear e manter viva a dúvida, a incerteza e a desconfiança diante de qualquer fundamentalismo. Para a psicanálise, uma proposta totalitária, universalizante, nada mais é que uma versão do pai, uma perversion. Castradora, paralisante e, no final das contas, mortífera, é capaz de barrar a criatividade que brota justamente das incertezas e, por que não, da crise.
A psicanálise procura abrir caminho para o novo, para o diferente, para o inusitado. Não há meios de erradicar o que incomoda, ou seja, doenças, crises, divergências, porque somos humanos, “animais doentes”, como disse Sigmund Freud. Ao tentarmos erradicar com propostas totalitárias as insuficiências da existência humana, chegaremos à morte por assassinato ou por suicídio. E disso também os nazistas e seu líder nos deram um testemunho histórico.
Dorothee Rüdiger é psicanalista e doutora em Direito pela Universidade de São Paulo