São Paulo no Inferno 13/06/2013

Por Dorothee Rüdiger

O poder público deve fazer sua obrigação, mas tem de permitir que a população faça parte deste processo. A criatividade tem que prevalecer à burocracia

O Inferno, Dan Brown, autor do best-seller, que me desculpe, mas não é uma fantasia de Dante Alighieri, não. Diabos fustigando almas penadas com tridentes? Isso pode render um filme com ótimos efeitos especiais, mas o inferno, Mr. Brown, é outra coisa. Existe, aqui e agora. E tem preço. Na cidade de São Paulo o ingresso custa R$ 3,20.

Pois é um inferno, o transporte público, no Brasil, de Norte a Sul, nas capitais e no interior, com honrosas exceções que se procura no mapa. A situação infernal do transporte público está causando a revolta dos jovens cansados de serem tratados como pobres diabos que, na falta de dinheiro para comprarem um carro e, digamos, subirem de grau no cenário dantesco, sofrem com nossas cidades que se transformaram em inferno ao final do dia, da semana, do ano.

Andar de ônibus, combinemos, é para pagar pecado. Em alguns bairros de São Paulo, nos mais “nobres”, e no horário certo, fora do pico, até que dá para encarar o “coletivo”. Passa de dez em dez minutos, raras vezes o transporte lota e tem até TV para a diversão do passageiro. Ah, mas quem precisa do “bumba” para se locomover do bairro para o centro e vice e versa… pobre coitado! Passa um tempão no ponto esperando, encara o empurra-empurra da superlotação, motorista estressado, cobrador sem troco, micróbios de todas as espécies e baratas que andam soltas por entre os bancos. Quem mandou ser miserável?

Será que no subsolo de nossa cidade não existe o tão prometido paraíso dos que são obrigados a se locomover para ganhar o pão no suor de seus rostos? De jeito nenhum. O metrô, nos horários de pico, não comporta mais a multidão que parece aquele amontoado de almas penadas no dia do Juízo Final.

Sair às ruas e criar uma confusão dos diabos para baixar o preço do transporte público parece então mais que justificado. Tanto assim, que os jovens que tomaram as ruas das maiores cidades do país para questionar o preço das passagens encontraram apoio por toda parte. No entanto, será que é esse o preço que está causando tanto mal estar em nossa civilização urbana contemporânea? Algo além do problema do transporte público e de seu preço está no ar. Exige outra resposta que não uma mudança na planilha de custos, exige a reinvenção da nossa convivência.

Para São Paulo sair do inferno, a prefeitura planeja e executa obras em grande estilo: criar moradias perto do trabalho, bicicletas e ciclovias, mais corredores de ônibus, mais linhas de metrô. Louvável. Mas para que essas medidas não cheguem no dia de “São Nunca”, o sr. Prefeito e seus secretários poderiam apostar em medidas “fora da caixa”. Criar um vírus capaz de transformar a cidade. Por que primeiro sanar e reformar o centro histórico de São Paulo para depois entregá-lo a população? Não seria interessante inverter o processo?

Que tal chamar os artistas e outras pessoas que enxergam além do óbvio, entregar a eles prédios, praças, quem sabe, quarteirões e bairros inteiros, hoje praticamente desertos? Seria premiar a criatividade (quem sabe, incentivando, com financiamento público, os melhores projetos) e não lentidão de uma burocracia que há décadas impede as transformações que nossa cidade precisa. Criaria comunidades que brotariam a partir desses projetos e não só moradias. Deixaria a cidade com flair e não com cara de centro comercial que fecha as portas às 18h.

Quanto aos jovens que estão na rua para protestar contra a tarifa, estes têm uma responsabilidade enorme nas mãos. Não basta protestar. Podem e devem, com os recursos tecnológicos, que tão bem conhecem, contribuir para a transformação da cidade. São capazes de criar vírus nas redes sociais, portanto, seriam capazes em tempo recorde, organizar, por exemplo, uma rede de “caronas” oferecida por vizinhos e outras maneiras de se conviver e locomover.

Assim, São Paulo poderá chegar não exatamente ao Paraíso, mas a uma cidade humana. Sem problemas. Sair do Inferno já seria de bom tamanho.

Dorothee Rüdiger é psicanalista, Doutora em Direito pela Universidade de São Paulo