Por Alain Mouzat
Num país onde não se dá chance ao acaso, para se inventar tem-se que romper
Boa notícia ou má noticia?
Falei com Margot ontem à noite, pelo Skype. Ela mora na França. Nasceu e vive por lá. Saudades e tudo mais… mas aquela história de rolezinho, me conte, o que é?
Aí fiquei apertado: como explicar? Já faz um tempo que tenho que explicar para pessoas de fora o que acontece no Brasil. Aliás, com franceses é sempre bom ter uma explicação: – como se chama essa árvore? E aquela formação rochosa é magmática? – Olha, isso aí é pé de planta e lá é um morro.
Não quero desprezar o interesse dos meus amigos, é seu jeito de provar seu respeito e amor pelo Brasil. Mas com franceses é assim: para amar tem que ter razões. Eles querem entender.
Já com as manifestações de junho tive que me desdobrar: não é a revolução proletária em marcha, sim, é um fenômeno importante, não, não espero a revolução social, sim, sim é sinal de mudança dos tempos… Como explicar a alguém que foi criado num país que chama faxineiro de “técnico de superfície” e oferece formação de três anos para o tal, com diploma final… como explicar essas coisas tão… tão improvisadas, tão inesperadas, e a importância que tomam como fenômeno de sociedade?
Não é que na França não haja periferia, nem jovens que gostam de se encontrar, mas na França eles se encontram mais entre rapazes e preferem queimar carro a beijar. Consciência de classe mais aguçada? Num país onde não se dá chance ao acaso, para se inventar tem-se que romper.
O fato é: o Brasil vê pipocar formas de movimentos de agrupamentos muito fluidos, que se caracterizam pela mobilização rápida, via internet, pela ausência de causa maior (nada de horizonte transcendente de revolução permanente, nem de tábula rasa, nem mesmo de contestação anti-sistema). Apesar de que alguns analistas os denunciem como sintomas de uma verdade histórica recalcada. Mas quando movimentos com bandeiras tentam se apoderar dessa formas de manifestação, elas perdem sua força, se esfacelam em pequenas bolhas de reivindicações sem fôlego. E se causam transtorno, se possuem alguma virulência é exatamente nessa impossibilidade de reprodução, de uma mobilização sem causa outra que manifestações de desejo, por mais desconsiderado que seja.
Rolezinho vira moda, mas antes que Margot consiga entender o como e o porquê, eles terão deixado lugar a outras formas, sempre se alastrando como fenômeno viral, mas sempre pedindo a invenção de novas formas.
Que bom. Não se proteger da invenção será dar chance ao acaso?
Alain Mouzat é professor da Universidade de São Paulo, doutor em linguística e psicanalista membro do Instituto da Psicanálise Lacaniana