Riso indecente 02/05/2013

Por Alain Mouzat

A brincadeira parece inocente: qual o problema de rir da falta de malícia ou dos pequenas sofrimentos dos filhos descobrindo o mundo? Mas por trás das risadas, tem indiferença pela angústia do outro

Vira e mexe, pais postam no Youtube vídeos dos filhos em situações constrangedoras – o desespero da criança frente a formiga que o irmão matou, filmado pela mãe ou o delírio pós-anestésico de um menino filmado pelo pai. Esses vídeos interpelam o analista pelo destrate da angústia do outro.

Não precisa ser psicanalista para saber do drama que revela o choro de uma criança frente a morte da formiguinha pelo irmão gêmeo: a criança não tem “dó da formiguinha”, tem o horror revelado de como o outro pode de repente irromper na sua satisfação imaginária, radicalmente. O prazer da mãe em lhe confirmar a lição lhe ensina: “Sim, meu filho, o ser humano é filho da puta”, preparando o filho para grande lição da vida.

Da mesma forma, os delírios pós-anestésico são bem conhecidos da medicina como reveladores das angústias de enfrentar uma intervenção que consideramos como nos atingindo no que nos constitui no nosso mais próprio: nosso corpo. O que o pai mostra ao mundo, seu riso e sua satisfação, é a angústia de uma criança frente à ameaça da perda da sua imagem corpórea e do fantasma de um corpo despedaçado.

A questão em jogo aqui é a condição humana, com o qual todos, pai, mãe, também se confrontam – a questão da morte e do sexo – e as respostas que cada um lhes traz. Apontar a falha no outro, confrontá-lo com a fragilidade de sua resposta frente a sua incompletude, exige uma ética radical: saber que se trata de uma experiência que toca o ponto mais íntimo de cada um, nosso “ponto de vergonha”, como diz Jorge Forbes.

Escorregar em público curiosamente nos envergonha, e provoca o riso dos outros. A falha revelada no outro nos remete à fragilidade de nossas respostas – e frente a essa interpelação o riso aparece como o grande emplastre que recobre a angústia. Daí o sucesso das “videocacetadas” na televisão.

A função dos pais nessa dimensão é de fornecer um quadro onde se elaboram a respostas dos filhos. Tratar na dimensão da chacota é simplesmente remeter o filho às suas angústias, e pior ainda, lhe dizer que desse lado – do lado do pai e da mãe – ele não poderá esperar resposta, a não ser aquela que o afunda na sua angústia revelada ao olhar do outro, olhar no caso multiplicado ao infinito na exposição de sua vergonha.

Alain Mouzat é professor da Universidade de São Paulo, doutor em línguistica, e psicanalista membro do Instituto da Psicanálise Lacaniana