Por Claudia Riolfi
A escola não precisa temer a arbitrariedade da motivação das regras
Esta semana, a quarta melhor universidade do mundo segundo o ranking do site Times Higher Education, a Universidade de Oxford, na Inglaterra, foi palco de um curioso mutismo. Fundada em 998, Oxford é a mais antiga universidade do mundo anglófono. Tem laboratórios, museus e bibliotecas. Tem, também, alunos que ficaram esperando, sentados, a instituição responder a um de seus pedidos: a readmissão do bibliotecário do Saint Hilda College. Por meio de um porta voz, os alunos ficaram sabendo que a Universidade não vai fazer nenhum comentário a respeito do assunto.
O que gerou a demissão do bibliotecário? É que, na biblioteca do Saint Hilda, ao invés de manter o esperado silêncio e recolhimento, cerca de trinta alunos se dedicaram a coreografar o hit da Internet deste momento: o Do the Harlem Shake! Que?! Se existe alguém que não sabe, o meme, de apenas 36 segundos, bem que poderia ser usado para exemplificar o modo de se organizar dos jovens descrito por Jorge Forbes. Eles estão juntos, curtindo música, mas sozinhos. Descobriram “o estar junto sozinho”. Podem partilhar do mesmo espaço sem estar, necessariamente, fazendo a mesma coisa.
A gracinha original foi feita por quatro jovens australianos que contaminaram o mundo ao mostrar quatro amigos vestidos de modo bem estranho: um de ET, um de Power Rangers, um de chinês e um de macacão colado rosa vibrante. Eles fizeram uma redução bem humorada da canção “Harlem Shake”, de Baauer, DJ e produtor de música eletrônica dos Estados Unidos.
No começo da cena, eles dançam devagar, parecendo ignorar uns aos outros. Depois de que o refrão da música (“Con los terroristas”) toca, o ritmo cresce vertiginosamente. Os moços dançam cada um a seu modo, mas de um jeito articulado entre si. Em fevereiro de 2013, esta deliciosa bobagem tinha tido 175 milhões de visualizações. O meme rendeu mais de 40 mil versões, todas saborosamente parecidas, que começam com uma dança mais ou menos sem graça que vira um caos dançante depois do grito de guerra “Con los terroristas”. Há versões com idosos que dançam com o jovem solitário; operários que se juntam ao trabalhador sozinho; passantes, na metrópole, que aderem ao divertimento do moço na calçada; todo o público que lota um anfiteatro que faz companhia ao estudante inicialmente excêntrico… Tem até a versão do exército russo!
Por que não poderia ter a versão da biblioteca de Oxford, então? Por que caberia ao bibliotecário ter evitado a gracinha? E mais, por que a instituição se nega a explicar aos alunos o motivo da demissão? No século XXI, não ganhamos mais liberdade? Ganhamos, mas o mundo não virou uma grande “casa da mãe joana”.
É justamente na medida em que nossa competência técnica, capacidade de influenciar pessoas e poder de persuasão aumentam que, na mesma proporção, aumentam as consequências potenciais de nossas ações. Se, na quarta melhor universidade do mundo o “Harlem Shake” passa impune, o risco de toda biblioteca se tornar um lugar impossível de se estudar cresce exponencialmente. O bibliotecário de Saint Hilda poderia ter dançado quantas vezes quisesse o Harlem, com as roupas mais estapafúrdias. Ninguém tem nada a ver com sua vida particular. O que ele não podia ter feito era deixar com que a biblioteca virasse salão de baile em seu horário de trabalho.
E Oxford, deveria explicar tudo isso aos alunos? Não, em hipótese alguma! Um universitário deste nível sabe o que está fazendo quando se arrisca neste tipo de brincadeira. O que se viu ali foi um exercício de inconsequência, uma tentativa de fingir que a vida pode ser vivida sem peso. Afofar o impacto da demissão com palavras seria um tremendo desserviço.
Não se trata aqui de dar uma lição de moral em ninguém. É fácil dizer que, até que se combine ao contrário, universidade é lugar de estudar, não de rebolar o traseiro. E que, para tanto, as bibliotecas servem para ler livros, não para dançar o contagiante Harlem Shake. Só que saber disso não impediu nem festa nem demissão.
Trata-se, aqui, de mostrar uma feliz coincidência: de mostrar o alinhamento da atitude de Oxford com a ética da clínica do real, própria ao homem do século XXI. Estamos nos referindo a uma ética – linha de pesquisa do IPLA – cuja especificidade é poder funcionar mesmo com os sujeitos que, por um motivo ou outro, não respondem bem aos grandes ideais coletivos, ou mesmo, à moral do bem comum. Se, em atenção aos educadores que enfrentam situações nas quais os jovens que estão cansados de saber que não deveriam fazer algo, fazem e, depois reclamam do preço a ser pago, eu tivesse que resumi-la em uma frase, diria: não explique, dê consequência.