Reprodução super humana 09/06/2016

Por Ligia Dantas

O encontro de gametas pode se dar sem o encontro de olhares

Pela primeira vez na história, cientistas americanos e ingleses desenvolveram embriões humanos fora do corpo da mãe durante quase duas semanas. Os resultados oferecem indícios preciosos para a compreensão da evolução humana, além de trazer grandes avanços para o tratamento de fertilidade. (fonte: Nature e  Nature Cell Biology, may-2016)

Se, por um lado esta descoberta traz um vislumbre inédito sobre os primórdios da vida, é assustador pensar o quanto a reprodução está se tornando cada vez menos humana. Talvez em pouco tempo possamos nos surpreender com a notícia de uma gravidez levada a termo sem um corpo…

Como essa, inúmeras possibilidades se abriram nos últimos anos. A expectativa de vida aumentou, os avanços científicos e tecnológicos parecem autorizar o homem a fazer escolhas cada vez mais improváveis e singulares. O limite do tempo está sendo desafiado. Hoje a mulher pode se submeter a uma fertilização até os 55 anos de idade, também é possível congelar seus óvulos para que seus gametas sejam utilizados após sua morte, monoparentalidade póstuma. Um feto pode, por exemplo, ter uma mãe gestacional e uma mãe biológica. Aliás, nem sequer precisamos de um outro para a reprodução, pode-se recorrer a um banco onde o material genético é selecionado a partir das características desejáveis de um doador.

O encontro de gametas pode se dar sem o encontro de olhares.

Em substituição ao casal querente, vários profissionais são convocados a participar do ato da concepção: embriologistas, ginecologistas, enfermeiros, anestesistas, biólogos, urologistas, psicólogos e por que não, psicanalistas.

Os índices crescentes de infertilidade delatam que a dimensão inconsciente envolvida no processo da reprodução transcende o que a ciência médica e a tecnologia podem ver e aparentemente controlar. Há casos em que tudo encaminha para dar certo e no fim dá errado e, às vezes, mesmo com tudo contra ocorre a gravidez.  Tal cenário traz à tona a importância do desejo.               

Mas o que desejar num mundo onde infinitos caminhos são possíveis, onde não existem mais padrões comportamentais a serem seguidos e a parentalidade pode ser negociada, adiada, transferida, negada, antecipada? 

Será que estamos preparados para lidar com todo este conhecimento e nos responsabilizar por escolhas no que diz respeito a nossa (re) produção??

Inúmeras são as questões, e polêmicas reflexões podem ser levantadas a partir do “reproduzir” na pós-modernidade.  O próprio ciclo da vida pede uma recontextualização  e a sociedade , uma nova ética. 

Ligia C. Dantas – Psicóloga , Psicoterapeuta – Membro da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana

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