Relevância Oculta 19/03/2015

Por Evandro Limongi Marques de Abreu

Lidamos com  nossas verdades mentirosas, tanto no campo do direito, quanto no da psicanálise

Como se costumava dizer, essa coisa de se querer, de alguma forma, chegar à alma alheia não é “de bom alvitre”, ou não parece ser uma empreitada aconselhável, e não é definitivamente um bom negócio. Faz lembrar José Mojica Marins e o filme que protagonizou e dirigiu em 1964, no qual apareceu pela primeira vez o personagem Zé do Caixão, intitulado “À meia-noite levarei sua alma”.

Por que estou dizendo isso? Porque um magistrado o disse acerca de um de seus jurisdicionados e se empenhava, segundo entendia, ao máximo na causa.  Pode-se dizer o mesmo dos que possuem apego férreo a seu mister.

Ser um julgador não é mesmo tarefa simples e amena. E, como no caso do analista, não pede  uma atuação,  na qual se envolve com corpo e alma.  Dirigir uma análise rumo ao desconhecido guarda semelhança à condução de um processo penal. Rumo ao incerto, no qual o caso é dado, são as partes é que se manifestam. O que está em jogo é um sofrimento, uma demanda.  O martelo decisório  funciona como o ato do analista. É usado para garantir a continuidade do curso proposto, com suas regras, até o momento derradeiro de seus efeitos.

Tal como no futebol, em que, digamos assim, o trio de arbitragem consegue estragar o espetáculo, na função judicante e na de analista há que se saber ser essencial,  sem ser tão notado. Daí é que surgem os resultados de todo um esforço e,   tantas vezes,  da sorte. Lidamos com  nossas verdades mentirosas, tanto no campo do direito, quanto no da psicanálise. Como no direito, os placares morais, a verdade,  o que um sujeito acaba descobrindo ser,  não passa de um exercício imaginário, justificante, para apenas dar sentido oco e cruel.  É o que Jacques Lacan diz da psicanálise: uma “paranoia dirigida”. 

Dirigida, talvez, feito o filme de José Mojica Marins, cuja história está sendo transformada em minissérie pela televisão estreada por Mateus Nachtergaele. Ou, ainda, dirigida como o desfile  do Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos da Tijuca, do Rio de Janeiro, no carnaval de 2011, com  o enredo “Essa noite levarei sua alma”. O filme e o samba, ambos premiados, estão disponíveis por aí para quem quiser assistir. Mas vamos deixar as almas em paz!

Evandro Limongi Marques de Abreu é advogado, professor universitário na área do direito e psicanalista em Curitiba – Paraná