Por Christiane da Mota Zeitoune
O adolescente é um desafiador da lei. A solução do problema não está na produção de leis mais rígidas. Basta cumpri-las. Assim surge o sujeito de direito, responsável pelo que faz
Podemos constatar o quanto tem aumentado o grau de violência e o envolvimento de adolescentes em atos infracionais. O desprezo pela vida alheia e a introjeção dos valores da sociedade de consumo, em detrimento dos padrões morais de direitos e respeito aos outros, mostra o quanto a sociedade contemporânea, com seus ideais cada vez mais utilitários, banaliza a violência. Hedonista e permissiva, favorece uma espécie de empuxo ao fora-da-lei, fazendo da busca do prazer imediato um alvo que não encontra limites.
Freud, em “O mal-estar na civilização”, nos mostra que a civilização tem por objetivo moderar e limitar a vontade de gozo, por meio da formação dos ideais. Contudo, não estamos mais em uma época como a de Freud, em que os ideais e as ideologias estavam no zênite do social. Ao contrário, vivemos em uma época de impasses, em que as leis simbólicas, que regem os laços sociais, não têm tido consistência para assegurar as relações do sujeito com o outro, em função do declínio dos ideais. Consequentemente, estamos confrontados com certos tipos de comportamentos de jovens que colocam as ações dos educadores em xeque e nos desafiam a novas intervenções.
No Brasil, é por meio do cumprimento de medidas socioeducativas que os jovens maiores de 12 anos e menores de 18 são convocados a responder pelo ato infracional cometido. O caráter sancionatório e educacional das medidas socioeducativas envolve um modelo de atendimento articulado com o sistema de garantia de direitos e o desenvolvimento de ações educativas que visam à promoção da cidadania. Contudo, a cada vez que a mídia dá visibilidade ao ato infracional praticado por um adolescente, a sociedade clama pela redução da maioridade penal como uma solução eficaz.
Não devemos confundir inimputabilidade com impunidade. O que assistimos na nossa sociedade é ao incremento da sensação de impunidade. Convivemos bem com o desrespeito às leis. Nesse sentido, a solução para o problema do envolvimento do adolescente com o mundo do crime não está na produção de leis penais mais rígidas, mas em fazer cumpri-las. O adolescente é um desafiador da lei, mas ele precisa que a lei se mantenha, tanto para dar sentido à rebeldia que reintroduz, confusamente, moções de seu desejo na relação com o outro, quanto para barrar os excessos que ele quer e não quer cometer.
Jacques Lacan, seguindo Freud, aponta-nos uma direção possível na condução do trabalho com jovens envolvidos em atos infracionais e em cumprimento de medidas socioeducativas. Em “Introdução teórica às funções da psicanálise em criminologia”, um ensaio de 1950, ressalta a importância do assentimento subjetivo da culpa e da função de expiação do crime que tem a punição. A responsabilidade, isto é, o castigo, é função exclusiva do Estado. É um chamado ao sujeito que infringe a lei para responder por aquilo que fez. A partir da responsabilidade penal, seria, portanto, possível fazer com que o jovem assuma as consequências para o ato cometido. Nessa lógica enquadra-se, no Brasil, o cumprimento da medida socioeducativa que convoca o adolescente responder pelo seu ato. Pela lei, o sujeito poderá responsabilizar-se por aquilo que lhe escapa e que aparece realizado em ato.
No entanto, a psicanálise sustenta um caráter particular de responsabilidade que em nada se relaciona à responsabilidade jurídica ou moral. A responsabilidade do sujeito está, para a psicanálise, relacionada à coragem de deixar falar o inconsciente, esse saber não sabido, que portamos em nós por sermos seres de linguagem, parlêtres, como diz Lacan. Dessa forma, o ato, que teve como consequência uma resposta jurídica, desempenha uma função na vida do jovem e na sua relação com a civilização. É importante recuperar sua participação no ato infracional, para que ele possa responsabilizar-se por isso e retificar sua posição subjetiva perante a vida. A psicanálise lacaniana nos ensina que conduzir um trabalho nas instituições responsáveis pela aplicação de medidas socioeducativas aos jovens infratores é encontrar formas de dar um tratamento ao gozo pela responsabilidade e pelo assentimento. Promove o aparecimento de um sujeito implicado em seu ato.
No Brasil, é longa a tradição assistencial-repressiva no âmbito do atendimento à criança e ao adolescente, principalmente para aqueles em conflito com a lei. Com ações repressivas, muitas vezes pautadas na violência, principalmente nas unidades privativas de liberdade, o adolescente se sente injustiçado, o que dificulta o assentimento subjetivo. Por outro lado, tratá-lo como vítima também impede recolher responsabilidades. Nesse contexto, é importante salientar, ainda, que embora o Estatuto da Criança e do Adolescente tenha representado um avanço do ponto de vista do marco legal, o mesmo não aconteceu na implementação de políticas públicas eficazes de promoção da cidadania de forma a garantir a doutrina de proteção integral expressa na lei.
Christiane da Mota Zeitoune, psicanalista lacaniana, é Coordenadora de Saúde Integral do Departamento Geral de Ações Socioeducativas do Estado do Rio de Janeiro