Por Claudia Fabiana de Jesus
O tratamento da toxicomania pede uma interpretação que empreste consequência, implicando a pessoa em suas escolhas
A Faculdade de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo promoveu, no dia 13 de maio, uma conferência internacional acerca das drogas. Dada a complexidade e os desafios em torno do tema, o objetivo era ampliar o debate público e acadêmico a respeito da questão. Os participantes foram Carl Hart, neurocientista e professor titular da Universidade de Columbia – EUA, pesquisador conceituado na área e a médica uruguaia Raquel Peyraube, do comitê de elaboração e acompanhamento da legislação que regula o consumo da maconha no Uruguai. Ambos trouxeram discussões inovadoras, quebrando mitos e paradigmas acerca do tema. Neste texto, discuto alguns desses posicionamentos.
Carl Hart reforçou que a política contra drogas fracassou e só é benéfica para aumentar os orçamentos de segurança e favorecer aqueles ligados a essa indústria. A redução de danos, em sua opinião, é mais benéfica que a guerra às drogas. Em relação à internação forçada, sua posição é contrária, pois a mesma não é ética e não implica a pessoa na escolha, o que se mostra na prática pouco eficaz. Para ele, a desinformação contribui para graves equívocos. Um deles é o dizer sobre os usuários de crack, segundo o qual se afirma que eles não conseguem fazer escolhas racionais tão logo fazem uso da droga pela primeira vez. Na visão do médico e pesquisador, isso é um mito, pois quando há alternativas além do crack, muitos mostram capacidade de “corrigir a rota” e fazer outras escolhas.
A conferência trouxe informações que convidam a um outro olhar, uma visão além da política de guerra contra as drogas. Nessa direção, Fernando Henrique Cardoso em seu livro, A soma e o resto, afirmou: “Droga não é um problema de polícia, e sim de saúde pública. O dependente de drogas que não causa dano a outras pessoas não precisa de cadeia, e sim de tratamento.” Tal abordagem abre para possibilidades novas reflexões e ações na área.
A política atual refere-se ao consumo de drogas como “patologia” ou como “crime”. A partir dessa política, vê-se a pessoa como um “viciado” e não se inclui a relação do sujeito com as drogas e ao que ela vem responder, tanto do ponto de vista subjetivo como cultural.
Do ponto de vista da psicanálise, a toxicomania entra na série dos novos sintomas, expressões do mal-estar e sofrimento na pós-modernidade que não respondem ao tratamento pela via do sentido e da compreensão. Por essa razão, têm como característica o curto-circuito da palavra. Pedem uma interpretação que empresta consequência, implicando o indivíduo em sua vida e em suas escolhas. A toxicomania, portanto, pede também uma clínica não moral, mas ética.
Claudia Fabiana de Jesus é psicóloga. Mestre em Psicologia da Saúde.