Por Lara Lise de Almeida
Como reconstruir uma história?
A ditadura militar está novamente em pauta. Por um lado, há manifestações de rua clamando de volta o regime dos generais. Por outro lado, há denúncias que membros da Comissão da Verdade, instaurada para apurar os fatos históricos dos crimes cometidos durante a época na qual os militares governavam o Brasil, estejam sendo monitorados por quem teme que esses fatos venham à luz do dia.
“Brasil, ame-o ou deixe-o”. Nessa toada, o espírito brasileiro era ordenado durante a ditadura militar. Muitos foram os desaparecidos, os torturados e os injustamente julgados. A fim de deixar, para nós que nascemos depois, a real história de nossa Nação e de nossas origens sociais os fatos merecem ser apurados. O que ocorreu nesse período deve ser passado a limpo, doa a quem doer. Quase aos 30 anos de vigência da Lei da Anistia, chegou a hora de investigarmos o passado, guiados por uma noção de que haveria uma verdade.
Mas, afinal, o que está sendo apurado pela Comissão da Verdade que, hoje, possa corresponder à verdade? Apuram-se as ações dos guerrilheiros tendenciosos a uma ditadura de esquerda ou apenas as dos torturadores militares de direita? E o que dizer da responsabilidade do governo norte-americano da época com sua tolerância ao golpe como tentativa de driblar a ameaça dos ideais comunistas em seu “quintal” sul americano ? Dá para reconstruir essa parte da história?
Para quem passa pela experiência de uma psicanálise, a questão da verdade é complexa. Percebe que a verdade e a mentira são dois lados da mesma moeda, são construções. O que fazer diante disso? Admitir mentira e enganação? Deixar a história cair no esquecimento e correr o risco de cometer novas atrocidades?
Existe história por trás da ditadura militar no Brasil que não correspondeu a apenas um golpe sucedido de incalculáveis abusos de poder. É um contexto que se escamoteia e se silencia. A história esclarecida é a de quem venceu, a democracia, e também a de quem perdeu. Nada se discutia após as partes em litígio concordarem em não operar vinganças mútuas, por meio da Lei da Anistia. Entretanto, desconsideraram que operar vinganças e apurar os fatos são duas coisas bem diferentes. Esqueceram-se, quando estabeleceram o pacto, de nós, os jovens nascidos na democracia. Queremos entender a história para tomarmos as decisões políticas que nos cabem tomar.
O intento da Comissão da Verdade deve ser dar respostas às questões ainda nebulosas sobre o período. Esperamos que se descortine o véu do silêncio para trazer à tona as atitudes de ambos os lados: a ação dos guerrilheiros, treinados em Cuba, atuantes na luta armada; a influência do capitalismo liberal norte-americano na economia e na política brasileira enquanto estava nas mãos dos militares. Oficializar a história desse período no Brasil, na transição do século XX para o século XXI, é o maior exercício de liberdade que, hoje, honra a nação e as futuras gerações brasileiras. A democracia venceu, mas deve fazer seu trabalho em relação ao passado. Viabilizar o conhecimento da história do passado recente do nosso país é a maior estratégia para que nada igual aconteça novamente. É a forma de garantir que nossa sociedade tenha todas as ferramentas para atuar de maneira justa e consciente perante a economia e a política nacional e internacional no mundo hodierno.
Lara Lise de Almeida é estudante vestibulanda. Seu desejo é ingressar em um curso de medicina.