Hélio Teixeira Dias Netto
O paciente adentra o consultório de seu médico e senta na cadeira diante da escrivaninha. As primeiras perguntas já são feitas tentando compreender o que há de incomum. Fala-se alguma coisa sobre a vida privada do sujeito interrogado, e poucos minutos são suficientes para fazer com que o médico inicie seu raciocínio em prol do diagnóstico. O toque, quando ocorre, é para avaliar; e falar dos parentes, só mesmo para histórico familiar de doenças. Ao se aproximar o término do diálogo, a espera é de que seja dada a prescrição. Um medicamento, uma orientação ou encaminhamento trarão a esperança de que aquele mal-estar se resolva.
Através desta mesma posição, Sigmund Freud anunciou outra perspectiva sobre a queixa do doente. Insatisfeito com os avanços científicos da época, e ciente de que toda a ciência futura jamais explicaria muitas das manifestações humanas, Freud se debruçou sobre as particularidades e singularidades de cada paciente seu. Talvez compreender a vida do sujeito e sua história trouxesse maior sucesso na lida com os sintomas do que a simples feitura de um diagnóstico de doença pela apreciação de seus sinais.
Pouca curiosidade acerca da estrutura psíquica daquele que precisa ser cuidado é percebida nos consultórios médicos em dias atuais. Psicóticos costumam ser identificados com grande facilidade, e tão logo, encaminhados aos seus psiquiatras. Tornam-se o terror das demais especialidades, e suas demais questões de saúde têm grandes chances de serem negligenciadas. Perversos passam muitas vezes despercebidos. Quando não, deixam memórias vivas de atitudes surpreendentes. É com neuróticos que, à primeira vista, esperamos estar convivendo. Mas o que a neurose tem a nos dizer?
Enquanto a medicina caminha no processo de universalizar os sintomas e agrupá-los em doenças bem definidas, a psicanálise se volta para a escuta daquela vivência que só o indivíduo pode nomear. O sintoma neurótico coloca o doente em condição de se queixar, e ao mesmo tempo não querer sair da queixa. O sucesso terapêutico pela perspectiva analítica não repousa necessariamente sobre a eliminação do sintoma, mas advém do trabalho que o paciente empenha na lida com sua angústia. Um sintoma hoje pode se apresentar na clínica com roupagem pré-estabelecida em manuais de psiquiatria, e a indústria vê em cada nova manifestação a esperança renovada pela molécula promissora a dar cabo do que é visto sem a necessidade de se ouvir, reduzindo a existência humana à química cerebral. Há de se dar sempre oportunidade ao escrutínio de uma boa escuta, pois é árduo e sensível o trabalho para não calar um corpo que em cada gesto nos fala.
Assim como um ato falho, sonho ou chiste, o sintoma é porta-voz do inconsciente. Nasce do conflito entre aquilo que se deseja e o que se pode ter na realidade. Tem seu lugar na tentativa de equilibrar a economia psíquica à medida em que se coloca como substituto da satisfação pulsional. Os sintomas ganham espaço na vida do neurótico roubando a possibilidade de uma existência que progrida alinhada com a ética do desejo e não ande em círculos. Trata-se também de ousar escolher caminhos nunca antes percorridos; apostar em uma saída criativa sem saber o ponto de chegada.
Dar-se à possibilidade de análise é apropriar-se do sintoma para conseguir escolher o que fazer com ele. É ocupar o papel daquele que se responsabiliza pelo que é, uma vez que, ao sintoma, não cabe resumir quem somos. Não há cura para o inconsciente, mas que também não repousemos sobre o conformismo da insatisfação paralisante.
Hélio Teixeira Dias Netto é Médico Psiquiatra e participante do Corpo de Formação em Psicanálise do IPLA.