Por Clóvis Pinto de Castro
A vida, assim como a arte de navegação, está sujeita às situações imponderáveis e ao princípio da incerteza com ou sem nevoeiros
“Faça como um velho marinheiro
que – durante o nevoeiro – leva
o barco devagar”
(Paulinho da Viola)
Quem desce com frequência a Serra do Mar com destino ao litoral paulista já está acostumado com a presença da neblina como parte da paisagem. Em algumas ocasiões, devido à sua intensidade, é necessário aguardar a operação comboio, quando veículos da Polícia Rodoviária vão à frente como referência para os demais, que são liberados a cada meia hora. É uma operação que limita a velocidade para a segurança de todos. Além dessa iniciativa, há placas ou letreiros eletrônicos indicando o que fazer: diminua a velocidade, acenda o farol de neblina, não pare na pista, não ligue o pisca-alerta, não pare no acostamento. São cuidados necessários para evitar acidentes, tragédias e preservar a vida.
Nas “estradas psíquicas” as pessoas também se deparam com neblinas e nevoeiros. São os momentos em que se torna difícil enxergar o que está ocorrendo no ato de existir. Muitos dos que chegam para uma análise – em meio a um nevoeiro – costumam ter dificuldades para identificar a paisagem, os cenários, os movimentos. Sabem do desconforto que o nevoeiro traz. No início do processo analítico, buscam uma “operação comboio”. Algo que proporcione uma viagem existencial mais segura. Querem placas sinalizadoras dizendo o que deve ser feito diante dos perigos de um forte nevoeiro. Estão à procura de algo que nenhum psicanalista pode oferecer: segurança.
A vida é uma experiência insegura. Como afirma Jorge Forbes: “ela é um renovado contrato de risco”. O que o psicanalista pode oferecer, em um primeiro momento, além da escuta, são palavras como as da canção Argumento, de Paulinho da Viola: “Faça como um velho marinheiro que – durante o nevoeiro – leva o barco devagar”. Em uma sociedade que exige velocidade máxima, levar o “barco devagar” é tarefa complexa. Segundo Forbes, o psicanalista está sempre a um “passo atrás” do analisando. Não direciona e nem é a referência genérica de um comboio. A análise não acontece no plural. O analista coloca-se em cena – de forma singular – para auxiliar o seu paciente a movimentar-se em meio ao nevoeiro e a responsabilizar-se frente à singularidade de sua trajetória. No processo de análise, a vida não é suspensa para o “conserto” das velas e, muito menos, do barco. Como disse Sêneca: “Um timoneiro que se preze continua a navegar mesmo com a vela despedaçada”. A vida, assim como a arte de navegação, está sujeita às situações imponderáveis e ao princípio da incerteza com ou sem nevoeiros. A análise pode mostrar que – como navegantes sem bússolas e mapas pré-elaborados – há sempre a possibilidade de ser surpreendido no meio da viagem.
Clovis Pinto de Castro, pedagogo, doutor em Ciências da Religião pela Umesp. Recentemente, publicou o livro: “Para não ficar ausente da vida – a pedagogia do cotidiano”, Editora Texto&Textura.
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