Quando as escolhas não fazem vacilar 19/03/2015

Por Emari Andrade

A história do jovem de Guarujá, litoral paulista, publicada no site g1.globo.com, , sob o título de “Jovem da rede pública estuda em casa e passa em medicina na Fuvest”

A escolha da carreira traz, para todo ser humano, uma série de dúvidas e inquietações quanto ao futuro. Quando o curso que você decide fazer é um dos mais concorridos do país, como é o caso da carreira de medicina, a angústia pode aumentar. Nesse momento, o vestibulando pode pensar: o que fazer? Abrir mão do seu desejo e escolher algo mais “garantido” ou, sem medo ou arrependimento, enfrentar com inteligência o desafio de sustentar o desejo.

A situação piora quando se trata de aluno de escola pública. Confrontado com as dificuldades da vida, a pessoa pode recuar e se esconder em imagens pré-fabricadas. Sempre é mais “fácil” dizer que o ensino é ruim, que, no Brasil as Universidades Públicas são para os ricos e outras desculpinhas esfarrapadas.

Matheus Alpaccino Vale de Castro, de 21 anos, que sempre estudou na rede pública, escolheu o caminho mais difícil. O jovem vive com os tios e com a mãe que, por ser surda, não fala. Para nós, sua história traz lições que podem inspirar outras pessoas que, nesse momento, estão divididas entre o “certo” e o “duvidoso” ou, ainda, por estarem presas a essas imagens pré-fabricadas, sequer autorizam-se a vislumbrar um futuro pautado nas suas escolhas.

A história do jovem morador do município de Guarujá, litoral paulista, foi publicada no site g1.globo.com, em 30/01/2015, sob o título de “Jovem da rede pública estuda em casa e passa em medicina na Fuvest”. A matéria relata como Matheus, em sua quarta tentativa de ingressar em medicina, tornou-se um dos 175 aprovados no vestibular da USP cuja concorrência era de 55 candidatos por vaga.

Além de não se colar à imagem de que estudante da escola pública não tem chance de cursar uma Universidade Pública, desgrudou-se de outras duas: a de que a maioria dos jovens vive na lei do “menor esforço”, ou, nos termos freudianos, no princípio do prazer; e a de que há parâmetros que mostram a “chave do sucesso”, como, por exemplo, o de que “fazer cursinho” é o melhor caminho para todas as pessoas.

Nas três primeiras tentativas de ingressar na carreira de medicina, sequer chegou a ir para a segunda fase de vestibular da USP. Mas ele não vacilou em seu desejo. “Eu não me via em outro lugar, medicina foi a área que mais me encantou”, afirmou. Pagou o preço para superar suas maiores dificuldades e sustentou o tempo necessário.

O jovem percebeu que, para ele, o cursinho não era a melhor estratégia. “Acho que eu consegui um desempenho muito melhor estudando sozinho, porque eu conseguia focar nas matérias que eu tinha mais dificuldade”. Matheus, valendo-se do conhecimento do próprio corpo, do seu ritmo de estudos e de suas maiores dificuldades, estudava diariamente das 8h30 até quase 23 horas. Decidiu sozinho ser o protagonista dos seus estudos. A estratégia que utilizou nos mostra um dos princípios da psicanálise, segundo a qual é no caso a caso que se estabelece a relação do ser humano com o conhecimento. Ninguém aprende da mesma maneira e, tampouco, no mesmo tempo.

Matheus não vacilou frente à necessidade de “fazer do seu jeito”. Quem não está certo do que deseja, recua frente ao medo ou espera que outras pessoas lhe deem fórmulas para evitar o sofrimento, como se pode ver nesse pedido enviado ao site Guia do estudante, na seção “Consulte o orientador”: “Estava pensando em fazer Medicina, mas como todos sabem, este é um dos cursos mais difíceis e eu morro de medo de não passar no vestibular e ter que ficar fazendo cursinho durante vários anos. Como eu posso evitar esse medo? Tem algum método de estudo que possa me ajudar a alcançar uma nota melhor no vestibular?”

Não existem fórmulas para evitar o medo, nem as que garantem o sucesso. A psicanálise nos ensina que o que nos diferencia é justamente o modo como lidamos com o acaso e com as surpresas (boas ou más) que acontecem a cada dia. Nesse sentido, Matheus nos dá outro exemplo. Em meados de 2014, conseguiu uma bolsa pelo sistema Prouni para cursar medicina em uma Universidade particular. Quando finalmente o sonho de ingressar em medicina parecia se concretizar, veio o que poderia ter sido encarado como uma “tragédia”. Problemas burocráticos o fizeram perder a vaga. Ele entrou na justiça, mas só conseguiu se matricular um mês depois do início das aulas. Mas, o que é um mês depois de três anos de estudos para o vestibular?

Para o jovem, um mês era muito. Ele falou: “ah, vou continuar estudando pros vestibulares e trancar a matrícula, aí ver o que acontece”. Não relaxou. Estudou e viu o que provavelmente seu inconsciente já sabia o que iria acontecer: foi aprovado em três universidade públicas, dentre elas, a USP. Neste início de ano, em que tantas escolhas e projetos estão sendo feitos, que seja o desejo, e não as imagens pré-fabricadas, o orientador das nossas ações.

Emari Andrade é professora de língua portuguesa, faz doutorado em educação na Universidade de São Paulo e é monitora do curso online do IPLA.